Família

Atores mirins e a arte de conciliar trabalho e infância

A atriz e psicóloga Cecília Dassi fala dos cuidados que a família deve ter para preservar a infância dos atores mirins 

Poucas profissões permitem um começo tão precoce como a dramaturgia. Crianças das mais variadas idades se destacam em filmes, novelas e espetáculos teatrais. Atores e atrizes mirins nos encantam com performance de gente grande. Mas são apenas crianças e, como todas as outras, também precisam de tempo para estudar e brincar.

– Os pais precisam lembrar que crianças são crianças. Precisam dormir tempo suficiente, precisam ter tempo para brincar ou não fazer nada, precisam ter tempo para fazer os deveres da escola – diz a psicóloga Cecília Dassi.

Cecília fala com a autoridade de quem conhece bem o assunto. Ela começou a trabalhar como atriz aos 4 anos, atuou em sete novelas da TV Globo, e como atriz e assistente de direção em peças teatrais. Depois de se formar em Psicologia e em Arteterapia, especializou-se nos impactos do trabalho no desenvolvimento infantil, e hoje trabalha com atores mirins e suas famílias.

– Alguns projetos mais longos como novelas ou peças teatrais exigem que a criança esteja presente em todos os ensaios/apresentações/gravações e os pais não podem simplesmente dizer “meu filho não vai cumprir seus compromissos hoje porque precisa descansar”. Mas quando aquele projeto encerrar é importante que a criança tenha um tempo de descanso antes de entrar em outro. Muitos pais dizem “mas ele não quer dar uma pausa, ele quer continuar!”. Eles acabam se acostumando com essa rotina cansativa e corrida e podem reclamar se você proibi-los de trabalhar incansavelmente, mas acreditem: eles precisam de descanso, de tempo para si mesmos, para sua vida social. Vai fazer bem a eles passar por um período de “calmaria” antes de se engajar em um novo projeto – afirma.

Acontece que, para muitas crianças, atuar é mesmo algo divertido e prazeroso, apesar da seriedade com que encaram aulas, ensaios, apresentações e gravações.

Mariana Lewiss e Miguel Costa na peça  "João e Alice em Heróis e Princesas" Foto: J.Scupira / Divulgação
Mariana Lewiss e Miguel Costa na peça “João e Alice em Heróis e Princesas” Foto: J.Scupira / Divulgação

Aos 11 anos, Mariana Lewis já tem sete peças no currículo e estrela a webserie “O encanto da sereia”, no YouTube. As aulas de teatro começaram na escola, aos 3 anos, e se intensificaram com curso regular aos 7 anos. Hoje, ela é aluna da Fazart.

– Gosto muito do fato de poder subir no palco e interpretar vários personagens, isso que me atrai tanto, dar vida a outras pessoas diferentes. Vejo o teatro como diversão. Gosto muito. Mas, ao mesmo tempo, sei das responsabilidades e sei que é um trabalho  também. Estudar vem sempre em primeiro lugar, mas gosto de focar no teatro e no meu programa na internet – diz Mariana, atualmente na peça “Tarzan – O homem da selva”, no Teatro Fashion Mall.

Para Márcia Romão, mãe da atriz, o mais importante é a filha estar curtindo o que faz, sem comprometer outras atividades.

– Ela ama teatro, mas incentivo que ela também se prepare para outros desafios. É ótima aluna, as professoras elogiam muito a capacidade dela e o esforço. Enquanto ela estiver se divertindo fazendo as peças, vou incentivar – afirma.

O apoio da família também tem ajudado Débora Bezerra Nicolau, de 9 anos, a fazer atividades relacionadas ao teatro. Sem cobranças, os pais a incentivam a fazer o que gosta, oferecendo meios para a menina se expressar.

Débora em um desfile. Foto Arquivo pessoal
Débora em um desfile. Foto Arquivo pessoal

– A Débora sempre gostou muito de fazer gracinha, chamar atenção. Sempre falávamos que ela gostava de plateia. Na igreja, gostava de participar de peças, pegar o microfone. Estamos procurando fazer o que ela vem pedindo, mas sem forçar. Ela começou com cursos livres na CAL, passou pela Oficina de Atores e está fazendo o curso no Teatro Miguel Falabella, faz aula de balé e de canto – diz Katia Bezerra Nicolau, mãe de Débora, que já fez trabalhos publicitários para uma revista e uma loja de departamentos.

Para Kátia, as aulas de teatro e todas as outras atividades artísticas às quais Débora vem se dedicando não atrapalham o desempenho escolar da menina. Preocupação, ela só tem em relação à maneira como a filha vai lidar com a vaidade em uma profissão em que a exposição é muito comum.

– Ela é excelente aluna. As pessoas podem achar que essas atividades atrapalham, mas acho que tudo isso ajuda a criança a ter uma outra visão, arejar a mente. Se um dia ela vier a ser uma atriz de renome, a principal preocupação é que nada disso venha a modificá-la porque ela é super amável, bem querida em todos os lugares. Sempre converso muito com ela que temos que ser com as pessoas o que gostaríamos que elas fossem conosco – avalia Kátia.

A preocupação da mãe da Débora não é desmedida. O sucesso no meio artístico pode, sim, afetar o comportamento das crianças.

– A fama pode ser benéfica. Pode melhorar a autoestima da criança, trazer lucros financeiros e proporcionar confortos à criança que os pais talvez não pudessem custear, pode trazer experiências incríveis como conhecer ídolos, viajar ou coisas do tipo. Mas também pode fazer a criança acreditar que o mundo funciona daquela forma e que será sempre assim, o que em grande parte dos casos não é verdade. A fama pode ser passageira e lidar com essa “queda” pode ser muito duro para uma criança sem o devido suporte. Além disso, a fama traz consigo, inevitavelmente, as críticas, e muitas crianças que já possuem tendência à baixa estima podem ter sério prejuízos com isso. Outro risco, ainda, é o do deslumbre com a fama, começar a acreditar que realmente é alguém melhor que os outros, diferenciado, que merece ser “tratado como rei” e ter todas as vontades atendidas – explica Cecília.

O suporte familiar é extremamente importante para que a criança se realize em uma atividade que lhe é tão agradável, sem prejuízo da infância e da educação. A atenção com os compromissos escolares também é muito importante.

Sabrina e Arthur Lattari / Foto Arquivo pessoal
Sabrina e Arthur Lattari / Foto Arquivo pessoal

Arthur Lattari, 6 anos, demonstrou cedo o interesse pela profissão de ator. O menino faz parte da programação da Rádio Record Kids e da agência Talento Top Brasil, e a mãe dele, Sabrina Lattari Fernandes procura conciliar as atividades artísticas e o desenvolvimento escolar do filho.

– Ele faz aulas de teatro e expressão corporal há aproximadamente um ano e sempre participa de workshops. O primeiro passo foi uma conversa com a escola. É fundamental para o entendimento de que o aluno, em algumas ocasiões, necessitaria de um circuito diferenciado de estudo e presença, tornando possível um ótimo aproveitamento escolar do Arthur – diz Sabrina.

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