Coruja Gravidez Saúde

Desenvolvimento de bebês prematuros

Nascidos pré-termo necessitam de acompanhamento especial

O nascimento prematuro deixa quaisquer pais preocupados. É sempre apreensivo o período em que os bebês precisam passar no hospital. Além disso, fica o receio sobre a saúde e o desenvolvimento do neném. Não é à toa que crianças nascidas pré-termo recebem especial atenção das equipes médicas. Atenção que deve continuar nos primeiros anos de vida.

– A avaliação do desenvolvimento do prematuro vai muito além da obtenção de seu desempenho através de tabelas padronizadas, ela precisa ser correlacionada com o contexto pré-natal e com a evolução do bebê nos primeiros 28 dias de vida. Inicia-se pela história clínica detalhada para  identificar fatores de risco, sempre estimulando e valorizando a opinião dos pais sobre problemas no desenvolvimento deste filho. Em seguida, como em qualquer consulta de rotina, procede-se ao exame físico detalhado e um exame neurológico mais cuidadoso em busca de anormalidades sugestivas  que possam orientar a investigação diagnóstica e/ou intervenção específica – afirma Alexandre Lopes Miralha, membro do Departamento Científico de Neonatologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

Entretanto apenas essa avaliação clínica não é suficiente para detecção precoce dos distúrbios do desenvolvimento.

– Normalmente apenas um terço dos problemas são detectados (os mais sérios e graves), sendo necessário o seguimento com avaliações padronizadas através  de testes de triagem para a avaliação do desenvolvimento, com foco nos aspectos mais relevantes conforme a idade do bebê. Especial atenção deve ser dada ao desenvolvimento nos primeiros anos de vida, período de grandes modificações e aquisições de habilidades nas diversas áreas: motora, linguagem, cognitiva e pessoal-social, quando os desvios da normalidade, os distúrbios e atrasos manifestam-se e precisam ser detectados precocemente para identificar as crianças que necessitam intervenção precoce – explica o pediatra.

Segundo o médico, a avaliação do desenvolvimento infantil precisa ser feita rotineiramente, em todas as consultas:

–  Esta avaliação global do desenvolvimento é composta pelas seguintes partes: o exame neurológico da criança, a valorização da opinião dos cuidadores, e a avaliação dos marcos do desenvolvimento. Para que se possa avaliar mais precisamente o desenvolvimento de um prematuro, é necessário levar em consideração a sua idade gestacional corrigida, conceito muito usado entre os pediatras neonatologistas, e que normalmente está registrado no resumo de alta hospitalar da UTI neonatal. Em linhas gerais, a idade gestacional corrigida corresponde  ao ajuste da idade cronológica (idade real em dias ou meses a partir do nascimento) em função do grau de prematuridade (subtrair da idade cronológica as semanas que faltaram para a idade gestacional atingir 40 semanas). Embora não haja consenso sobre quanto tempo deve ser corrigida a idade do prematuro, a maioria dos autores  e a Sociedade Brasileira de Pediatria, através de seu Departamento Científico, recomenda o seu uso nos primeiros dois anos de vida.

O acompanhamento é importante para o diagnóstico precoce de qualquer alteração. Além disso, pesam as diferentes situações  do nascimento.

– As alterações do desenvolvimento do prematuro estão mais relacionadas ao grau de prematuridade e ao surgimento de complicações, especialmente em bebês menores de 1.500 gramas e/ou idade gestacional menor que 34 semanas – lembra Alexandre Miralha.

A psicóloga Luciana Cosentino Rocha já se debruçou em pesquisas sobre crianças prematuras, com dissertação de mestrado intitulada “Temperamento em crianças: efeito do nascimento prematuro e gênero” (2012).

– No meu estudo de mestrado comparamos crianças nascidas pré-termo (PT) e crianças nascidas a termo (AT) na faixa de 18 a 36 meses de idade, nele encontramos dados acerca dos efeitos da prematuridade sobre o temperamento (diferenças individuais que são os primeiros traços para uma futura personalidade) e o comportamento de crianças (ver resultados da pesquisa ao fim da matéria). Em suma, nosso estudo mostrou que a modulação do temperamento devido ao fator prematuridade pode estar ligada à vulnerabilidade do organismo prematuro, o que pode dificultar os processos regulatórios do mesmo. Mesmo assim, um aspecto positivo é que indicadores de problemas de comportamento e de alterações constitucionais podem ser encontrados precocemente no desenvolvimento, o que poderia impulsionar intervenções preventivas promovidas tanto por pais e família como por profissionais que trabalham com crianças nascidas PT – relata Luciana, membro da Sociedade Brasileira de Psicologia.

A experiência de Luciana com crianças nascidas pré-termo não se restringiu à pesquisa. Três anos depois do mestrado concluído, ela mesma sentiu as aflições de ser mãe de prematuro.

–  Na evolução da minha terceira gravidez foi descoberto que a inserção da placenta estava bem baixa, com risco de hemorragias e parto prematuro. Na 32ª e 33ª semanas de gestação tive duas hemorragias que me levaram a ficar de repouso absoluto seguida de internação até o nascimento do bebê, que aconteceu após a terceira hemorragia. Foi um período complicado, pois tive que me afastar dos cuidados e da presença dos meus dois outros filhos, ou seja, foi um período de preocupação e ansiedades com o desenvolvimento da gravidez e também com os outros filhos que estavam longe de mim. As preocupações que vivenciei na fase final da terceira gestação eram muito antagônicas, por um lado sabia que a medicina estava muito desenvolvida e bem preparada para lidar com as crianças prematuras, por outro lado sabia que, dependendo de como o bebê nascesse e do tempo de internação que poderia vir a ter, poderia haver algumas complicações. Ao mesmo tempo, sempre lembrava que como mãe poderia prover um ambiente de estímulos e cuidados para o desenvolvimento dele, mas a dúvida e preocupação maior sempre giravam em torno de: “quanto tempo mais eu vou conseguir “segurar” o bebê?”.

Por fim, Luca nasceu com 35 semanas e 2,67 kg, e apresentou apenas pequenas questões que foram tratadas no próprio berçário, não sendo necessário internação na UTI Neonatal. Após três dias ele recebeu alta hospitalar.

– É importante dizer que tive o apoio de nossa família que me ajudou com os cuidados com meus filhos e também de um excelente obstetra – conta Luciana.

Mamães de prematuros entendem as preocupações de Luciana, e devem, como ela, ter muitos receios quanto ao desenvolvimento do bebê. A jornalista Waleska Borges teve insuficiência placentária e sua filhinha Lara, hoje com 2 anos, nasceu de 34 semanas. A neném ficou 21 dias internada na UTI Neonatal. Recebeu alta com o canal do coração ainda aberto.

Foto Arquivo pessoal
Lara só foi para o colinho dos pais dez dias após o nascimento

– Chama persistência do canal arterial. Precisou ser acompanhada por um cardiologista em consultas semestrais. Teve alta agora, aos 2 anos. O peso dela ainda é abaixo da faixa. A altura é compatível com a idade. Mas a pediatra disse que o peso dela está dentro do aceitável. Fomos avisados que talvez ela precisaria de fisioterapia para parte motora. Isso aconteceu. Fez 30 sessões de fisioterapia e só andou com um ano e seis meses – conta Waleska.

Apesar das muitas preocupações, Waleska sempre foi informada e tranquilizada pelos médicos. E os profissionais têm mesmo como avaliar se o prematuro está respondendo adequadamente às expectativas relacionadas à idade. Alexandre Miralha explica que há várias formas de avaliar esse desenvolvimento.

– Para o diagnóstico do desenvolvimento normal ou anormal, existem várias escalas de desenvolvimento que devem ser aplicadas em diferentes faixas etárias, sendo as mais importantes e usadas as seguintes: escalas de triagem (DENVER II, Escala motora infantil Alberta, Avaliação dos movimentos generalizados, o teste infantil de desempenho motor e avaliação dos movimentos da criança) e as escalas diagnósticas (escala de Bayley,  e as escalas de inteligência de Wechsler, estas principalmente para asa idades pré-escolar e escolar). A linguagem é outro setor extremamente importante que merece uma atenção especial, pois chega  a acometer mais que 40% dos prematuros que nascem com peso abaixo de 1.000g, associando-se com maior risco de problemas de aprendizagem (menor habilidade na leitura e escrita), problemas comportamentais e ajuste social. O desenvolvimento da linguagem pode ser avaliado pelos testes de desenvolvimento global como o Denver II e escalas Bayley, acrescido de  instrumentos específicos que contemplem parâmetros adequados para a avaliação da aquisição da linguagem – esclarece o médico.

No caso de Lara, a linguagem vai muito bem,  fala e conversa com desenvoltura. Ela nasceu com 1.825g, acima do peso que traz mais risco para isso.

– Fiquei muito preocupada quando ela fazia tudo mais tarde que outras crianças. Demorou para sentar, andar e até hoje não é de subir nas coisas. A pediatra nos tranquiliza, diz que cada criança tem um tempo, mas a gente se preocupa. Apesar do atraso na parte motora, ela é muito esperta. Conversa normalmente coisas que crianças da mesma idade não fazem – diz Waleska.

Cuidado da família e acompanhamento médico e multiprofissional (fisioterapeuta, terapeuta ocupacional, fonoaudiólogo, psicólogo e neurologista, entre outros) são fundamentais.

– Os distúrbios do desenvolvimento do recém-nascido pré-termo nos primeiros anos de vida podem comprometer a qualidade de vida futura, mas a identificação precoce dos mesmos possibilita medidas de intervenção precoce e pode melhorar, em muito, o prognóstico futuro do prematuro – afirma Alexandre Miralha.

Veja as orientações do Departamento Científico de Neonatologia, da Sociedade Brasileira de Pediatria (retirado do manual de seguimento do prematuro da SBP):

– Recém-nascidos prematuros com idade gestacional < 32 semanas, de muito baixo peso, com restrição do crescimento intrauterino ou grave morbidade neonatal (muitas complicações na unidade neonatal);
– A avaliação do desenvolvimento deve ser iniciada o mais precocemente possível, forma sequencial e sistematizada, por equipe multiprofissional, com adequados instrumentos de avaliação;
– Cabe ao pediatra obter história clínica completa (identificar fatores de risco); realizar exame físico e neurológico (identificar achados de risco) e acompanhar o desenvolvimento por meio do teste de triagem de Denver II, que permite saber se o desenvolvimento da criança está dentro da faixa de normalidade e se há algum distúrbio que necessite investigação/intervenção específica;

– O diagnóstico de desenvolvimento é realizado no 2° ano de vida, por meio das escalas Bayley, aplicadas por psicólogos;
– Nos primeiros dois anos de vida especial atenção deve ser dada ao desenvolvimento sensoriomotor e da linguagem, que podem ser avaliados por meio de instrumentos específicos aplicados por outros profissionais da saúde, como: avaliação do desenvolvimento motor pela Escala Motora Infantil de Alberta, avaliação dos movimentos generalizados e TIMP, aplicados por fisioterapeutas ou terapeutas ocupacionais. Avaliação do desenvolvimento da linguagem por meio de testes aplicados por fonoaudiólogos, tais como: ELM, CAT/CLAMS, inventário de MacCarthur e PPVT-R;

Veja os resultados da pesquisa de Luciana Cosentino Rocha relacionados a prematuridade:

1- No que se refere ao temperamento, mais especificamente nos aspectos de afetividade negativa, as crianças pré-termo (PT) apresentaram maior sensibilidade para detectar estímulos leves e de baixa intensidade provenientes do ambiente externo, porém esses estímulos não eram captados com conotação de desconforto pelas crianças PT em relação às crianças a termo (AT).

2- Nos aspectos relacionados com a extroversão, crianças nascidas PT tinham maior capacidade de experimentarem prazer em situações e brincadeiras que envolviam grande intensidade, complexidade e novidade quando comparadas a crianças AT.

3- Nos aspectos do temperamento relacionados ao controle voluntário, crianças PT em relação a crianças AT tinham menor capacidade de expressar prazer quando abraçadas pelo cuidador. As crianças PT também tinha menor duração da atenção para determinado objeto e menor resistência à distração do que as AT.

4- Quando avaliados os problemas de comportamento, a única diferença encontrada foi que crianças PT obtiveram maiores escores na escala de problemas de atenção do que as crianças AT.

5- Um dos principais achados foi a vulnerabilidade nos sistemas de atenção de crianças nascidas prematuras, tanto nas características de temperamento que são indicadores constitucionais da criança, quanto nos problemas de comportamento indicados por um instrumento de rastreamento para psicopatologias.

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