Coruja Família

Histórias bem costuradas

Livros são contados no teatro em forma de tapetes artesanais 

Sabe o que acontece quando se junta livro e tapete? Palavras e tecidos? Contos e artesanato? Quem já assistiu a um espetáculo do Costurando Histórias sabe que é coisa de boa qualidade. O coletivo de artistas monta espetáculos teatrais infantis, usando tapetes que recontam obras literárias.

– Iniciei minha vida teatral, aos 17 anos, fazendo espetáculos itinerantes dedicados às crianças. Depois, já na universidade, conheci a linguagem dos Tapetes de Histórias. Minha primeira aproximação aconteceu numa oficina ministrada pelo artista francês Tarak Hammam sobre os Raconte Tapis. Minha reação foi de encantamento e espanto, pela beleza dos cenários, mas, principalmente, pelas potências expressas na interação entre contadores e ouvintes e também através da literatura apresentada dessa forma. Sempre fui leitora e unir livros ao teatro, pareceu-me um convite fértil. Ao estreitar laços com o mestre, surgiu o convite de trazer a linguagem para o Brasil. Fiquei absolutamente feliz e, desde 1998, trabalho e pesquiso com essas geografias móveis encantadas, que são os tapetes com suas narrativas únicas, tecidas com muitos retalhos – conta Daniela Fossaluza, idealizadora e coordenadora do projeto.

Os tapetes ganham forma a partir do envolvimento dos artistas com os livros. Autores e narrativas variam de espetáculo para espetáculo.

– Costuro poemas, contos tradicionais, contos autorais, mais contemporâneos, lendas, versos de cordel… Assim, no caminho, já “encontramos” muitos autores estrangeiros e outros nossos, como Silvia Ortof, Ruth Rocha, Fabio Sombra, Clarice Lispector, Guimarães Rosa, Leonardo Boff, Câmara Cascudo. Faço uma mistura que adoro. Geralmente, cada tapete é criado a partir de um livro específico, dialogando com texto e ilustração. Mas, cada vez mais, tenho gostado de alinhavar narrativas variadas num mesmo cenário, criando espetáculos onde contamos mais de um livro – explica Daniela, que está preparando novo trabalho. – No momento, estou criando com Denise Goneve um tapete a partir do livro “Família Alegria”, da escritora Cristina Villaça e, com elas, criando também um espetáculo onde vamos narrar várias histórias da Silvia Ortof, uma escritora genial. São várias as possibilidades de costura. Mas os livros estão sempre no meio. Acho que eles têm muito a nos ensinar através dos diálogos que permitem.

O critério para um livro virar tapete? A história precisa “pedir” para sair do papel.

– Não posso narrar nada que não me “toque” primeiro. Acontece de uma criança propor algo, ou uma professora, ou um dos integrantes do nosso grupo, ou até mesmo o convite de uma instituição ou autor. Mas a proposta tem que me parecer desafiante. Tem que, de algum modo, me fazer acreditar que ela seja importante de ser compartilhada e recriada através da linguagem que desenvolvemos no Costurando Histórias. Nunca fiz um único tapete que não tivesse essa premissa. Certa vez, Tarak disse em uma de suas oficinas: “Faça sempre essa pergunta a si mesma: essa história pede para sair do livro ou seria melhor continuar morando nele?” Sempre me lembro dessa indagação. Ela é útil nos processos de escolha. Posso até fazer algo por encomenda, mas apenas se encontrar propósito interno na empreitada – afirma a atriz.

E mesmo num mundo cada vez mais tecnológico, digital, virtual, as histórias continuam sendo costuradas e encantando crianças, de geração em geração.

– Tenho pensado muito na sobrevivência desse trabalho artesanal. Às vezes, o mundo parece me dizer que não tem mais espaço para ele. É um trabalho de resistência. Mas, cada vez que sento à máquina, um universo todo se abre e nem preciso me perguntar sobre o propósito, ele está posto. Isso também acontece quando abro o tapete na roda para contar histórias para as crianças. Aliás, desde 1998, estranhamente, as crianças me parecem cada vez mais diferentes e cada vez mais iguais. Ou seja, as primeiras crianças para quem contei, já são adultas. Seus filhos já são crianças outras, nascidas em tempos cada vez mais “acelerados”, mas que ainda visitam as rodas de histórias, divertindo-se. As crianças que tenho recebido nas rodas e teatros apresentam outras falas, gestos e desejos, comportamentos. Porém, diante de uma narrativa, em volta dos livros e tapetes, sentadas na roda, elas se aquietam e o maravilhoso (aquele mesmo que presenciei quando ouvi o mestre Hammam contar histórias na Uni-Rio anos atrás), continua mais do que presente. Contradições. Tenho pensado muito nisso. Em como o maravilhoso e a narrativa se reinventam e como permanecem – avalia Daniela.

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