Família

Pecados contra a infância

Children's Dreamy Eyes by George Hodan

O pediatra Daniel Becker, defensor da pediatria integral, lista sete “pecados” nos cuidados com as crianças 

Cada família tem um jeito de cuidar das crianças, e é importante respeitarmos as diferenças. Mas às vezes, seja por falta de tempo, excesso de zelo ou insegurança, os pais acabam não cuidando tão bem quanto gostariam ou poderiam. Pior, acabam reproduzindo modelos que podem prejudicar o bem-estar dos filhos. Defensor do conceito de pediatria integral, que valoriza não só a prevenção e tratamento de doenças, mas também os aspectos emocionais e sociais das crianças, o pediatra Daniel Becker acredita que as crianças brasileiras são maltratadas pela sociedade. É pensando no bem-estar delas que ele lista o que considera os sete pecados capitais contra a infância: privação do nascimento natural e do aleitamento materno; terceirização da infância; intoxicação da infância; confinamento e distração permanente, mercantilização da infância e consumismo infantil; adultização e erotização precoce; entronização e superproteção da infância.

– Cada geração teve seus “pecados”. Estamos falando de questões recentes, que se agravaram com as novas relações de trabalho, urbanização, esfacelamento de famílias estendidas e internet, tablets, smartphones – diz Becker.

Segundo ele, os “pecados” costumam se interconectarem e agravarem uns aos outros. Mas a combinação mais prejudicial é a ausência de convívio com os pais combinada ao que ele chama de confinamento e distração excessiva da criança, que tem seu tempo preenchido por várias atividades sem espaço para o ócio. Para Becker, é preciso valorizar os fatores tempo e espaço. Ele recomenda que os pais estejam presentes na vida dos filhos em pelo menos 10% do tempo em que estão acordados; e deem mais importância ao convívio com a natureza.

– O convívio com o espaço aberto vai afastar a gente das telas, vai reduzir o consumismo e o materialismo excessivos, vai promover o livre brincar (que, por sua vez, vai gerar inteligência, humor e criatividade), vai gerar convívio entre as famílias, vai promover o contato com o ar, o sol e o verde e vai reduzir todos os problemas da infância – avalia.

Crítico da sociedade, ele também vê nela a transformação, e acredita que com a participação efetiva das pessoas, principalmente dos pais, é possível haver melhoras.

– Se formos pra rua, se ajudarmos as famílias a terem uma visão critica da nossa cultura e nossa forma de tratar a infância, se exigirmos políticas públicas melhores para a infância e a família. Depende de nossa participação.

Os sete pecados contra a infância, segundo Daniel Becker:

1 – Privação do nascimento natural e aleitamento materno
“A cultura da cesárea faz com que as mulheres acreditem que o parto normal deve ser a cesárea. Que o parto normal é nocivo, doloroso, perigoso. Isso gera diversos malefícios para as crianças.”
“Da mesma forma acontece com o leite materno. A mulher quer amamentar sua filha, mas (muitas vezes) em dois meses esta criança está desmamada. Isso vem, em grande parte, por causa da indústria, que faz propaganda pelo nome que dá às suas fórmulas: “premium”, “supreme”, e a propaganda que ela faz com o médico.”

2 – Terceirização da infância
“Perdemos o que é mais precioso na infância: o convívio com os filhos. Convívio é aquilo que nos dá a intimidade, a capacidade de estar junto, o amor, a sensação de estar cuidando de alguém, a sensação de conhecer profundamente alguém”.

3 – Intoxicação da infância
“Obesidade e diabetes estão explodindo na infância”.

4 – Confinamento e distração permanente
“O tédio é fundamental na infância. Porque o tédio e o vazio são berço daquilo que é mais importante para nós, a criatividade e imaginação. Nós estamos amputando isso dos nossos filhos.”

5 – Mercantilização da infância e consumismo Infantil
“A publicidade é covarde, explora a incapacidade da criança de distinguir fantasia de realidade, explora o amor dela por personagens e instiga nela valores como consumismo obsessivo, hiper-valorização da aparência, a futilidade e coisas piores”.

6 – Adultização e erotização precoce
“Existe uma erotização que usa a criança de 7, 8 anos para vender produtos de moda, uma erotização baseada no machismo, na objetificação das meninas e das mulheres, na valorização excessiva da aparência.”

7 – Entronização e superproteção da infância
“A gente sabe que a importância dos limites do não são formas fundamentais de amor. A gente precisa dar para os nossos filhos, mas a gente tá perdendo a capacidade. Em vez disso, a gente se interpõe entre as experiências dos filhos e do mundo fazendo justamente que eles não tenham experiência da vida e, portanto, não desenvolvam mecanismos de lidar com a frustração, com a dor e com a dificuldade. E certamente o mundo vai entregar para eles mais tarde.”

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