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Aulas online – Como manter a atenção das crianças?

As aulas online são desafios para professores, alunos e famílias

Seu filho anda desinteressado pelas aulas online? Deixa algumas tarefas por fazer, não consegue assimilar bem o conteúdo explicado pelos professores? Ele não é o único. O novo modelo de aula, imposto tão abruptamente pelo isolamento necessário para conter a pandemia de Covid-19, afeta, sim, a concentração das crianças. E não são só os pais que percebem isso. Do outro lado da tela, há um esforço genuíno de vários profissionais de educação para atrair a atenção de crianças e jovens. Mas sem fórmulas mágicas e cientes da enorme diferença entre a sala de aula e a educação à distância, esses educadores também se sentem, muitas vezes, cansados e frustrados com o formato online. Junte-se a isso o estresse de muitos pais para dar conta de tudo. Mas é o que temos neste momento, e tentar entender todos os lados (crianças, professores, escolas, famílias) é a melhor forma de encontrar um equilíbrio neste formato de ensino.

Tempo de duração das aulas online afetam atenção

Uma das principais questões a serem consideradas é o tempo de duração das aulas online, sejam ao vivo e gravadas. É um engano supor que quanto mais aulas e tempo de estudo em frente à tela as crianças tiverem, mais vão aprender. Pelo contrário.  Trata-se de um limite natural do cérebro, que ainda está em desenvolvimento. Quanto mais nova a criança, menos tempo de concentração ela vai ter. E mesmo os mais crescidos, precisam de estímulos para manter a atenção. Por esse motivo, quanto maior o tempo da aula, menos atenção o aluno vai ter.

– As crianças ficam mais dispersas com aulas online porque é um ambiente novo, uma rotina nova que está oferecendo para o cérebro. Crianças precisam muito do contato presencial, da questão da socialização, do contexto envolvendo jogos, brincadeiras, materiais concretos. É muito comum perder um pouco do foco, da atenção, principalmente se essas aulas online forem muito longas. Cada criança tem um tempo de concentração, de acordo com a idade maturacional do cérebro e da idade cronológica. Além disso, esse tempo de concentração pode variar também de acordo com fatores ambientais, distratores,  questões biológicas da criança. Se ela está com sono, se não está se sentindo bem, se tem uma hipersensibilidade à luz da tela, tudo precisa ser levado em consideração. As aulas online para crianças precisam ter um tempo de duração curto. Para uma criança de 1º e 2º ano, por exemplo, o tempo esperado seria de, no máximo, 20 minutos. Tem que deixar nesse cérebro sempre um gostinho de quero mais, e não tornar aquele momento da videoaula um momento exaustivo, estressante – explica a psicóloga Alessandra Machado, especialista em Neurociência Pedagógica, Psicossomática e Neuropsicologia, e uma das idealizadoras do canal Compartilhando Ideias Neuroeducação, no YouTube.

Para os educadores, o principal desafio tem sido, justamente, conciliar qualidade de conteúdo com ferramentas e linguagem que ajudem a prender a atenção dos alunos.

– É preciso trabalhar com o lúdico, com o concreto, mesmo que à distância, mostrando esse material. Também é preciso trabalhar com contação de história, música. O que os educadores estão percebendo na prática é que não é a quantidade de conteúdo que vai fazer com que a criança aprenda neste momento, é a qualidade desses conteúdos. E quanto mais puder fazer conexões, vinculando o conteúdo de Ciências à Matemática e ao Português, por exemplo, melhor. Claro que no presencial é diferente, pois temos vários recursos. No online, temos a voz, a imagem e, por ali, precisamos trabalhar a empatia. E, às vezes, nem depende só do professor, mas da escola. É entender e tentar mostrar aos gestores que, neste momento, o estímulo precisa ser qualitativo e não quantitativo. Aprendizagem é um processo contínuo e ininterrupto. É preciso atingir as crianças nos três estilos de aprendizagem: visual, auditiva e sinestésica. Neste momento, o sinestésico parece um pouco distante, mas a contação de história, o fantoche,  algo concreto mostrado no vídeo traz um pouco a realidade. O desafio maior para os educadores agora está sendo se reinventar no sentido de entender que a aprendizagem não pode e não deve ser só conteúdos lançados, precisa ser muito mais do que isso – avalia Alessandra.

Ela destaca ainda o fato de todas crianças terem capacidade para aprender e acompanhar o ensino à distância se este trabalho for cuidadosamente pensado para elas.

– Todos os alunos têm capacidade de aprender, independentemente da capacidade de aprendizagem, de transtornos. Com a neurociência, sabemos que existem várias áreas cerebrais que podem ser potencializadas. Para que todos os alunos aprendam, são necessárias várias formas de oportunizar essa aprendizagem – diz a psicóloga.

O papel da família nas aulas online

A adaptação ao novo modelo não passa só por alunos e professores. As famílias estão sendo afetadas de diferentes formas, e a compreensão e o apoio dos pais são fundamentais para as crianças conseguirem lidar melhor com a situação. O equilíbrio, como sempre, é o melhor caminho. É ruim cobrar demais das crianças, mas também é prejudicial reclamar das aulas online na frente delas.

– Os pais devem entender que regras e limites são importantes, sim, mas que podem ser flexíveis, principalmente no momento em que estamos vivendo, por várias questões. Lembrar que o trabalho de autonomia é construído de acordo com cada faixa etária, sem esperar que a criança tenha autonomia sozinha. Sabemos que os pais estão exaustos por também trabalharem e precisarem dar apoio às crianças por conta da aprendizagem. Muitas vezes, o pai acaba falando: “poxa, outra videoaula”, “outro exercício”, e é preciso evitar fazer esse tipo de comentário; e lembrar que, mesmo se não falar, existe a linguagem não-verbal (gestual, olhos, comportamento) e a criança percebe. Os pais precisam lidar com a situação, pois não podem mudá-la agora. Precisam se adaptar a ela. E nós temos isso a nosso favor de forma cerebral, que é a neuroplasticidade, a forma de se readaptar às mudanças. E precisamos ser flexíveis quanto a isso porque, aí sim, estaremos amadurecendo também as crianças de forma que elas possam saber que nem sempre a gente faz o que a gente quer, que nem sempre as coisas acontecem da maneira que a gente quer. Essa flexibilidade cognitiva precisa partir dos adultos para as crianças, até porque as crianças aprendem muito mais com exemplos do que somente com a fala – orienta Alessandra.

Aulas online também são um aprendizado para os professores

Em relação às aulas online, seja você a favor ou contra, a empatia ajuda bastante. Lembrar que o professor também é pai ou mãe, está trabalhando de casa e passando pela mesma pandemia é uma forma de entender melhor os desafios da educação neste momento. E mesmo que esse profissional tenha anos de experiência em sala de aula ou várias especializações no currículo, está vivendo um momento inédito na carreira.

Outro ponto desfavorável para o professor é que, em alguns casos, as aulas são dadas a crianças que não tinham vínculo anterior com ele em sala de aula. Em várias escolas, as aulas online não acontecem por turma, mas por segmento. Assim, um professor que estava em sala de aula com 20 ou 30 alunos, passou a dar aulas online para até centenas de alunos, dependendo do tamanho da escola.

A pedagoga e psicopedagoga Andréa Rodrigues ressalta como tantas mudanças repentinas acabam afetando os professores:

– É uma situação muito difícil, inovadora. As pessoas dizem que os professores tiveram que se reinventar, mas a gente não está reinventando nada, a gente está inventando mesmo, pois não existia isso para a faixa etária dos nossos alunos antes. Muitos professores têm que trabalhar com a timidez, com a dicção. De alguma forma, isso te exige mais. No meu caso, eu dava aula para duas unidades, e agora dou aula para toda a rede. Eu tinha, digamos, 60 famílias avaliando meu desempenho, e hoje tenho 300. Muitas vezes, na sala de aula, a gente pesquisava junto com os alunos. Na videoaula, tem que estar com tudo pronto. Não há muito espaço para indagar, para colocar dúvidas – diz.

Como vários outros profissionais, ela vem se dedicando a conquistar e manter o interesse dos alunos nesses três meses de aulas online.

– No início, teve toda a questão da adaptação, novo formato. E tudo que  é novo chama atenção das crianças e das pessoas, de um modo geral. Nesses mais de 80 dias de aula online, a gente vem percebendo que menos é mais. A questão da qualidade da aula não está no tempo, mas na qualidade das informações e como elas são passadas. Além disso, a gente precisa, sim, de recursos visuais. Usamos alguns aplicativos, e o power point tem sido grande aliado como ferramento para colocar uma animação, uma imagem, um efeito que aparece no meio da aula. O desafio é passar em pouco tempo o conteúdo de forma, clara, simples, objetiva. Acho que ninguém mais tem predisposição, interesse, força de vontade para estar em frente a uma tela, ouvindo uma pessoa falar por mais de 20 minutos – avalia Andréa.

Aulas online não são realidade para todos

Muitos professores, alunos e famílias enfrentam ainda um outro desafio com a suspensão temporária das aulas nas escolas: a falta de estrutura adequada para as  aulas não presenciais. Não se trata de desinteresse, mas de desigualdades que não permitem o acesso a todos.

Professora das redes públicas de Maricá e Niterói, Patrícia Nunes vem fazendo o acompanhamento pedagógico conforme as condições permitem. O isolamento começou em março, mas o trabalho com os alunos só foi retomado em maio.

–  A partir da orientação do Conselho Nacional de Educação, a escola de Maricá passou a fazer o acompanhamento pedagógico dos alunos via WhatsApp, o meio de melhor acesso para as famílias, pois muitos não têm notebook em casa. Não são aulas online, mas um atendimento pedagógico. Como sou professora de 1º ano, montei um grupo com os pais. Toda segunda, mando os exercícios para a semana em PDF, e todos os dias, uma hora por dia, fico disponível no grupo. Mando áudio para as crianças, gravo vídeo, mensagem de carinho, tiro dúvidas. O maior desafio para mim é não ter essa interação com as crianças, e o fato de o celular ser dos pais, que muitas vezes não conseguem acompanhar por estarem trabalhando. Tenho que confiar no que os pais estão fazendo. Na hora de montar a atividade, também preciso levar em consideração a falta de tempo e de acesso desses pais. Não posso exigir, por exemplo, que imprimam os exercícios, então tenho que pensar em algo que eles possam transpor para o caderno. Além disso, meus alunos ainda não se apropriaram da leitura e da escrita, estão em desenvolvimento – relata Patrícia, que entende a dificuldade das famílias  – Tenho 45 alunos (duas turmas), mas muitos não participam. Alguns mandam fotos das crianças fazendo atividade, mas quem não participa não é por falta de interesse, mas por uma série de motivos. O material também é  disponibilizado numa plataforma, mas o maior envolvimento é por WhatsApp mesmo.

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Foto em destaque: Imagem de OpenClipart-Vectors por Pixabay

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