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Como proteger crianças da violência sexual

A violência sexual é crime e todos precisam evitar e denunciar

Mais do que punir, uma sociedade precisa proteger as pessoas de situações de perigo. A violência sexual é crime, está tipificada de várias maneiras no código penal, diz respeito a quem a comete. Mas e a vítima? E quando essa vítima é uma criança? E quando essa agressão acontece dentro de casa, no que deveria ser o lugar mais seguro para ela? Mais do que se indignar, uma sociedade precisa reagir e chamar para si a responsabilidade por milhares de crianças. Mas como podemos proteger meninos e meninas que não são nossos filhos?

Segundo o psicólogo Jean Von Hohendorff, todos podem ajudar a combater a violência sexual (e outros tipo de violência) contra a criança, entrando em contato com o Conselho Tutelar em caso de suspeita de que a ela esteja sofrendo violência de qualquer natureza.

– Em caso de suspeita de qualquer tipo de violência, não só sexual, tem que ser acionado o Conselho Tutelar, preferencialmente. O artigo 13 do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) trata de qualquer caso de suspeita de violência contra criança e adolescente. É preciso frisar a questão de “suspeita”, não é preciso ter certeza. Nosso objetivo com a notificação de um caso no Conselho Tutelar é proteger a vítima, até porque a possível denúncia contra um possível agressor vai ser feita depois pelo Ministério Público.  A gente tem que romper com essa ideia de “eu não vou notificar porque não tenho certeza, e posso estar indicando que alguém cometeu uma violência quando não cometeu”. Quando na verdade o que a gente tem que pensar é “bom, essa criança parece estar em risco, tenho que protegê-la”  – orienta Hohendorff, que é Coordenador do Grupo de Pesquisa Via-Redes (Violência, Infância, Adolescência e Atuação das redes de proteção e de atendimento) e professor do programa de Pós-Graduação do IMED (Passo Fundo/RS).

Combater à violência sexual contra crianças é dever de toda a sociedade 

Esse tipo de comprometimento social não é apenas importante, é urgente. Há algo de muito errado quando uma menina de 10 anos engravida. Há algo de muito cruel quando uma menina de 10 anos vem sofrendo violência sexual desde os 6. Há algo de muito perverso quando esse tipo de caso não é uma exceção… A violência sexual contra crianças não pode ser considerado assunto de âmbito familiar. Muito dessa violência acontece dentro dos lares, tendo como agressores familiares e pessoas conhecidas da criança.

– O que a gente sabe em relação à violência sexual, principalmente a intrafamiliar – quando o agressor ou agressora é um membro da família, pensando família num conceito mais extenso, não só vínculo consanguíneo, mas de afeto e confiança – é que a tendência não seja um ato isolado. Quando se estuda o padrão de ocorrência dessa violência, percebe-se que, muitas vezes, no início, a criança não percebe a interação que está acontecendo com o adulto como algo inadequado. Até porque esse adulto é alguém que diz para essa criança o que é certo e o que é errado. Além disso, o que acontece é que as primeiras práticas não têm um caráter sexual evidente. E, mesmo se tivesse, a criança não tem parâmetro para comparar. É muito difícil a criança se dar conta, inicialmente, do que o que está acontecendo é algo ilícito. Não é papel da criança perceber isso, mas do adulto. Esses agressores se utilizam justamente dessa ingenuidade, uma característica da infância, para cometer a violência sexual – explica Hohendorff.

Educação sexual: Crianças precisam ter informações para identificar e denunciar violência sexual 

Mesmo não sendo responsabilidade da criança cuidar de si mesma, é importante que ela tenha meios que a ajudem a reconhecer a violência sexual e, principalmente, a se sentir segura para procurar ajuda. E aí reside o valor do acesso à informação e ao conhecimento e o papel da educação sexual nas escolas.

– É fundamental que a gente tenha educação sexual nas escolas. Mas o que percebo diante no nosso cenário atual é que precisamos preparar os professores e divulgar muito o que é educação sexual, porque se distorceu muito esse termo. Primeiro, temos que levar em consideração que, sim, todos nós, temos sexualidade. Sexualidade não é sinônimo de transar, de fazer sexo. Sexualidade nada mais é do que a relação que a gente estabelece com o nosso corpo. Desde cedo, a gente estabelece a relação com nosso corpo se tocando. A criança vai sentir prazer tocando o próprio corpo, isso é natural. Mas não é o mesmo prazer nem com a mesma intenção com que o adulto faz isso. Então, a gente precisa desmistificar o que é sexualidade, o que é educação sexual, que é necessário, sim, que seja feita na escola. Muitos opositores da educação sexual nas escolas mencionam que ela deveria ser feita em casa. Mas como pensar numa educação sexual feita em casa quando é em casa que a violência sexual acontece? – questiona o psicólogo.

Conhecer as partes do corpo, saber diferenciar toques abusivos de não abusivos e entender que nem todo carinho é adequado são meios que permitem a criança identificar a violência. Aprender que se trata de algo muito errado e que existem formas de acabar com isso incentiva a criança a buscar ajuda.

– Quando se trabalha a educação sexual falando do corpo, da diferença de toques abusivos, de toques adequado e toques inadequados, a criança começa a ter parâmetro. Não estou dizendo que a responsabilidade é da criança. Nunca é. Mas a gente pode trabalhar também com a criança para que ela possa ter o mínimo de informação para poder pedir ajuda – diz Hohendorff, destacando também a importância do acolhimento, de deixar claro para a criança que ela pode contar com ajuda. – Uma forma bem tranquila que se pode trabalhar isso, sem tocar especificamente em questões de corpo, é dizer para a criança que se qualquer pessoa fizer alguma coisa com ela e ela se sentir desconfortável, ela pode contar isso para alguém, mesmo que essa pessoa diga que é certo ou peça segredo.

Palestras em escolas e livros infantis ajudam na educação sexual e na segurança íntima

Prova de que essas práticas funcionam são os exemplos de crianças que relatam algum tipo de violência após assistirem a palestras em escolas ou terem acesso a algum tipo de material sobre o tema. A literatura infantil, aliás, é grande aliada. Livros que abordam o assunto de forma leve e linguagem apropriada passam a mensagem do que é certo e errado, e despertam a reflexão sobre o tema.

Divulgação

Autora de “Não me toca seu boboca“, Andrea Viviana Taubman é uma das vozes engajadas na proteção à criança. O livro tem sido utilizado em escolas e vem cumprindo seu papel. Em um publicação recente em sua rede social, a autora escreveu: “Há alguns meses, uma professora me escreveu: “Ritoca salvou minha aluna de 5 anos”. Falei com essa professora no inbox, quis saber o que, de fato, significava essa frase. E soube: a menina, depois de ouvir a professora contar o livro, tomou coragem e comunicou a ela o que primo adolescente estava fazendo, que nas brincadeiras sempre queria ver e tocar as partes íntimas e que ela não deveria contar pra ninguém, que era um segredo só deles e que se contasse ninguém ia acreditar…provavelmente a criança da manchete (em referência à menina de 10 anos violentada pelo tio) ouviu as mesmas palavras do seu abusador . Ou muito parecidas. A menina de 5 anos soube o que fazer antes que o pior acontecesse. A professora também. E uma vida que poderia ter sido arruinada em decorrência da violência sexual foi protegida e seguiu  seu desenvolvimento natural. Ritoca (a personagem do livro) deu informação e voz à menina cujo abusador queria calar”.

Não é difícil pensar de quanto sofrimento uma menininha de 5 anos foi poupada pela leitura de “Não me toca seu boboca” na escola. Aliás, não se pode pensar em violência sexual sem pensar em traumas e transtornos.

Veja alguns outros livros infantis que ajudam crianças a entender o que é segurança íntima (dicas do instagram @seremosresistência): 
“O segredo da tartanina”, de Alessandra Rocha Santos, Sheila Maria Prado Soma e Cristina Fukumori
Pipo e Fifi“, de Caroline Arcari
“A mão boa e a mão boba”, de Renata Emrich

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Foto em destaque: Imagem de Alexas_Fotos por Pixabay

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