Endocrinologista fala sobre os riscos da obesidade na gestação
Problemas de saúde relacionados à obesidade são uma preocupação em todas as fases da vida. Podem ser mais comuns entre adultos, mas afetam também crianças e jovens, e são fatores de risco até para a gestação.
– A obesidade, além de aumentar o risco da gestante desenvolver diabetes e hipertensão arterial – duas doenças que tornam a gestação de risco -, mais recentemente tem se firmado como um fator de risco por si só, uma vez que cria um estado pró-inflamatório e isso altera o ambiente intrauterino de desenvolvimento e bem-estar do feto. Como consequência, mesmo bebês de mães obesas sem diabetes ou hipertensão têm maior risco de complicações graves logo ao nascer, as complicações neonatais, como infecções, hipotermia e encefalopatia hipóxica-isquêmica – diz a endocrinologista Patrícia Peixoto, membro efetivo da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM)), da Associação Brasileira para Estudos da Obesidade (Abeso) e da Endocrine Society.
Coordenadora do projeto Viver Saudável, de tratamento multidisciplinar de obesidade pela prefeitura de Campos (RJ), Patrícia ressalta que não é apenas a obesidade da mulher que pode trazer riscos ao bebê.
– Estudos em animais e em humanos vêm demonstrando que a obesidade do pai prejudica seus hormônios, metabolismo e função espermática, e isso pode ser transmitido aos filhos. A explicação para isto é a epigenética, que permite a transmissão de fenótipos do pai ao filho. Como as alterações epigenéticas paternas causadas pela obesidade não geram mudanças definitivas em seu DNA, elas são reversíveis com a perda de peso. Sendo assim, é muito importante que antes de gerar o bebê, o pai também procure tratar o excesso de peso, evitando transmitir ao filho um risco aumentado de ficar obeso – explica a médica.
A endocrinologia lembra que a obesidade é uma doença crônica, que já se tornou epidêmica a nível mundial, e a prevenção deve começar desde cedo.
– É fundamental agir no grupo das mulheres que querem ter filhos. Elas precisam buscar um tratamento adequado, sem fórmulas mágicas, para que cheguem ao peso ideal antes de engravidar. Inclusive, não raro, a própria perda de peso com normalização da resistência à insulina que pode estar presente, auxilia na regulação da ovulação de mulheres com sobrepeso, melhorando a fertilidade. A perda de peso deve ser baseada em uma dieta saudável e em alimentos que “ajudam” sua microbiota intestinal (bactérias presentes no nosso intestino e que cada vez mais se mostram importantes para o bom funcionamento do nosso metabolismo), aqueles ricos em fibras, como os integrais, as verduras e frutas. Isso porque, na gestação, uma microbiota intestinal materna desequilibrada ( disbiose) afeta seu metabolismo e do bebê – diz a endocrinologista.
Até o tipo de parto, segundo a médica, pode aumentar ou diminuir as chances de o bebê desenvolver a obesidade ao longo da vida:
– A influência da via de parto na obesidade já vem sendo estudada há mais de 10 anos. Estudos consistentes confirmam que há diferença entre a microbiota intestinal de um bebê nascido de parto vaginal comparado àqueles nascidos por cesariana. Enquanto os nascidos de parto vaginal têm um contato mais intenso com a microbiota vaginal da mãe e são colonizados por ela, aqueles nascidos por cesariana são colonizados pelas bactérias do ambiente hospitalar e da microbiota da pele da mãe. E como isso se relaciona com a obesidade? A microbiota intestinal já é considerado um órgão metabólico com funções importantes no metabolismo e armazenamento de energia. Em pacientes obesos ela se encontra alterada, com predomínio de bactérias que levam a maior capacidade de absorção de energia a partir da dieta. Uma das principais presentes nos obesos é o Staphylococcos aureus, justamente uma das bactérias da pele e que os bebês adquirem para sua microbiota ao nascerem via cesárea. Ou seja, a microbiota adquirida na cesárea é desfavorável do ponto de vista metabólico. A OMS não tem recomendação específica ligando a prevenção da obesidade com o parto vaginal, porém já há algum tempo tanto a OMS como o Ministério da Saúde no Brasil vêm adotando medidas de incentivo ao parto vaginal e à amamentação (outra medida que auxilia na prevenção à obesidade materna e do bebê), por conta dos inúmeros benefícios que este oferece a mãe e ao bebê.
Várias situações levam à obesidade e a alimentação é uma delas. A qualidade da dieta reflete na saúde, e isso não é diferente na gravidez, principalmente se levarmos em consideração que muitas mulheres não conseguem se alimentar bem por conta de enjoos.
– Um plano alimentar com nutricionista é o ideal, uma vez que nesta fase as necessidades de macro e micronutrientes muda. Para as que já engravidaram acima do peso, é indicado iniciar o quanto antes um cuidado alimentar e gerenciamento do ganho de peso inerente à gestação. A prática de exercícios físicos será sempre recomendada a todas, se não for contra-indicado – diz Patrícia.
E alimentação, é bom lembrar, não é um cuidado restrito à obesidade. Dieta desequilibrada, com excesso de industrializados, traz riscos para a saúde de toda criança.
– Estes produtos alimentícios, em sua maioria ricos em sódio, gordura saturada, açúcares e aditivos químicos, aumentam o risco das crianças desenvolverem alterações nos níveis de colesterol e hipertensão arterial, o que a longo prazo aumenta o risco de doenças cardiovasculares. Além disso, a falta dos nutrientes adequados pode afetar a construção de massa óssea, cujo ápice ocorre na infância e adolescência, gerando risco futuro de osteoporose. Vale ressaltar que a exposição frequente a estes produtos alimentícios causa alterações em sensores da fome no hipotálamo, o que pode alterar o apetite dessas crianças e levá-las futuramente à obesidade. O que também colabora para isso é que uma dieta rica em gordura e açúcar e pobre em fibras vai afetar negativamente a microbiota, falada anteriormente. Por fim, na maioria das embalagens destes produtos há os disruptores endócrinos, substâncias que já sabidamente aumentam risco de doenças como obesidade e câncer. Ou seja, o consumo excessivo de produtos industrializados não só as expõe a riscos semelhantes à de crianças obesas como também aumentam o risco de, futuramente, elas se tornarem também obesas – afirma a endocrinologista.
Foto em destaque: Patrícia Peixoto/Divulgação