Escolas fechadas – O papel de famílias e professores na educação
Difícil estabelecer o que mais afeta as famílias dentre as mudanças impostas pela pandemia de Covid-19. Mas, certamente, a Educação está entre as questões principais. São milhões de crianças sem acesso à escola devido ao isolamento necessário, muitas delas sem acesso também a ferramentas adequadas para a Educação a distância (EaD). Situação que só agrava o cenário de desigualdade na área de ensino que já existia no país.
Neste momento, não existe o ideal. Muitas escolas oferecem aulas em plataformas online, numa tentativa de manter a rotina de ensino. Ainda há críticas e dúvidas sobre a eficácia dessas aulas remotas. São famílias, professores e alunos despreparados para a mudança tão abrupta. Mas é também um momento de readaptações diversas, e pensar os rumos da Educação neste novo cenário será mais um desafio para a sociedade.
Na tentativa de contribuir, de alguma forma, para este debate, o Quem Coruja traz as observações de Maria Christina Novo, coordenadora de Educação do Saúde Criança, ONG que desenvolve um trabalho multissetorial, atendendo famílias nas questões de saúde, moradia, cidadania, renda e educação. São, atualmente, mais de 1.100 pessoas, de 267 famílias, atendidas por meio do Plano de Ação familiar (PAF), tecnologia social que consiste na criação participativa de metas e de ações integradas nessas áreas.
Quem Coruja – A educação no país já era muito desigual. Os desafios sempre foram grandes. Isso se intensifica neste momento em que a EaD precisou ser adotada tão rápido?
Sem dúvida, os desafios da desigualdade educacional no Brasil se intensificaram neste momento de pandemia e de isolamento social. Em condições normais, o EaD já exige disciplina e regras por parte dos educandos e, com as consequências do coronavírus, todos que estudam se inseriram neste contexto. Atualmente, no Brasil, quase 80% das crianças e dos adolescentes estudam em escolas públicas e muitos se encontram em situação de vulnerabilidade social. Nem todos possuem computadores, internet e outros aparelhos tecnológicos que podem contribuir com o aprendizado à distância. É preciso valorizar a comunicação interna entre as famílias, compreender as realidades e criar projetos educativos ouvindo as pessoas envolvidas. No caso da área de educação, precisamos nos reinventar nestes tempos de pandemia. Atualmente, entramos em contato por telefone ou aplicativo de mensagem com as famílias e oferecemos atendimento remoto e personalizado. Entre as abordagens utilizadas, enviamos vídeos com aulas lúdicas para facilitar a interação entre as famílias, atividades educativas para pais e filhos, informativos e notícias sobre a questão da educação no município e no estado, posts com dicas e orientações e diversas outras maneiras. Também reunimos mães e pais no Aconchego, um projeto que existe no Saúde Criança e foi adaptado para as condições atuais. São encontros virtuais que acontecem para que as famílias compartilhem experiências, ouçam os desafios e se sintam acolhidas. Para se ter uma ideia, entre 25/03 e 07/05, nossa equipe fez 1.699 atendimentos remotos, sendo quase 300 na área de educação.
Quem Coruja – Algumas instituições de ensino ainda estão reticentes em adotar aulas neste modelo justamente por conta dos diferentes perfis dos alunos. O que é mais prejudicial no momento: as crianças terem acesso a aulas, mesmo que em condições não ideais, ou ficarem completamente sem aula?
Na minha visão, os dois cenários não são bons. Não podemos dizer que um deles é o cenário ideal. Mas, neste contexto de isolamento social, acredito que o modelo mais prejudicial é a criança ou o adolescente ficar completamente sem aula. Por outro lado, é preciso garantir meios para que todos os alunos, de todas as classes, tenham acesso aos recursos necessários para o aprendizado, o que dificilmente acontece no Brasil. Não há igualdade de condições.
Quem Coruja – O isolamento necessário por conta da pandemia trouxe à tona uma questão que já era discutida por educadores do mundo inteiro: os rumos da Educação. A situação atual está servindo, de alguma forma, para novas propostas, novos pensamentos?
É um momento de muitas incertezas que acabam gerando expectativas nas pessoas. São muitos paradigmas em jogo, diversas concepções que podem ser transformadas. Para conseguir passar por isso e aprender com tudo que estamos vivendo, minha sugestão é reunir a comunidade educacional para determinar diretrizes e avaliar os processos atuais. Reunindo os stakeholders envolvidos, entre escolas, famílias, professores, acadêmicos e membros do governo, podemos nos debruçar sobre esses desafios e encontrar soluções conjuntas. Para o ano letivo em vigor, por exemplo, as saídas são difíceis e muito desafiadores.
Quem Coruja – A família sempre teve um papel fundamental na Educação, mas o conteúdo pedagógico é, na maioria dos casos, uma função quase exclusiva da escola. Hoje, além de tudo, as famílias estão afetadas por vários fatores também desencadeados pelo momento atual, como home office improvisado ou desemprego, por exemplo. Como escola e professores devem considerar esse contexto?
É preciso dizer, em primeiro lugar, que não se faz educação sem famílias. O trabalho tem que ser coletivo e a empatia deve prevalecer nas relações. Seria importante, neste caso, que a escola ou a organização de ensino possa orientar as famílias, tentar acalmar nos momentos difíceis e saber quais são as principais necessidades daquele núcleo. É uma oportunidade para reforçar o trabalho em rede e acionar outros setores de apoio à família. Estreitar esses laços pode fazer com que a gente atravesse tudo isso com novas aprendizagens e experiências, sempre ouvindo cada família e cada criança. Humanizar essa relação é profundamente pedagógico.