Há muitas formas de encarar a gestação, muitas maneiras de desempenhar o papel de mãe, diferentes modos de cuidar dos filhos. Ainda assim, é comum as mulheres sentirem a pressão de se enquadrarem num ideal de maternidade, onde tudo é (ou deveria ser) completo e maravilhoso. E quando não é (porque, geralmente, não dá para ser) surge a culpa materna.
Essa culpa pode ser resultado de frustrações, medos e até de pensamentos ligados a arrependimento e raiva, consequências das mudanças hormonais características do puerpério ou das exigências impostas à função de mãe e todo o “julgamento social” que as acompanham. Não se trata de uma simples angústia. A culpa materna pode agravar quadros de ansiedade e depressão.
Segundo a psicóloga e arteterapeuta Cecília Rocha, para reconhecer e evitar a culpa materna é importante desconstruir mitos e estereótipos sobre a maternidade, e entender e respeitar os limites da maternidade real.
Quem Coruja- De que forma a mulher pode reconhecer as “armadilhas” da culpa materna? E como pode “desviar-se” delas?
Cecília Rocha – Olhar a culpa materna como uma armadilha é um excelente caminho. Entender que essa ideia de mãe perfeita é irreal e uma grande armadilha que aprisiona as mães nesse lugar de culpa e ressentimento. Gosto sempre de explicar que a culpa é um sentimento normal, vem do sentimento da tristeza e é extremamente importante. A tristeza gera culpa e a culpa nos faz pensar, refletir e com isso, muitas vezes, nos arrepender. Ou seja, gera transformação e mudança de comportamento e isso pode ser muito bom. A questão da culpa materna é que as expectativas são inatingíveis, a régua é muito alta e aí fica impossível se adequar.Então , desviarmos dessa grande armadilha é extremamente necessário e essencial para vivermos uma maternidade real e possível. E para que essa mãe consiga desviar-se dessa armadilha é imprescindível que se conscientize de que ideal de maternidade é irreal e opressor. Assim, essa mãe vai poder olhar para essa culpa de um novo lugar. Um lugar mais consciente e realista. E dessa forma essas mães podem olhar também para as conquistas maternas, que com certeza existem. Com a possibilidade desse novo olhar, percebo que muitas mães entendem que conseguem sim muitas coisas e compreendem sua humanidade dentro desse processo todo. Isso é libertador. Essa mãe passa a perceber que a perfeição é uma grande ilusão e isso vale para tudo e todas as áreas da vida.
Quem Coruja – Parece que a maternidade exige a realização (e perfeição) de um mundo de coisas. O maior desafio é colocar limites nessas exigências. Quais são as orientações que a senhora pode dar nesse sentido?
Cecília Rocha – O limite realmente é muito importante para caminharmos com mais leveza e tranquilidade por essa maternagem. Costumo dizer que a maternidade vai exigir que essa mãe conheça e cuide dos seus limites. Cuidar é o verbo diário. Cuidar desse filho e de si mesmo e essas coisas precisam caminhar juntas. Então, a comunicação e esse estabelecimento de limites fazem parte desse cuidado. Comunicar para os outros o que é possível fazer e o que não é, identificar, nomear e expressar as emoções e sempre se perguntar: “O que preciso agora?” vai sempre ajudar que limites sejam colocados
Quem Coruja- Quais são as queixas mais comuns das mães? O que as fazem sentir mais a culpa materna?
Cecília Rocha– A maior queixa está relacionada ao sentimento que essa culpa trás. Sentimentos de menos valia, frustração e angústia acompanhados de intensa autocrítica. Acredito que atualmente as redes sociais contribuem muito para que essas mães sintam mais culpa. Percebemos que muitas vezes é vendida a ideia de um mundo irreal, da mãe perfeita e que tudo depende apenas dessa mãe encontrar essa perfeição. Isso só mantém as mulheres nesse lugar de culpa e inadequação e faz com que elas pensem “se eu não dou conta, é minha a culpa. Eu que não estou fazendo direito. Sou incapaz e incompetente.” E essa é a semântica da culpa: quando nos sentimos responsáveis pelas coisas que acontecem errado na nossa vida e na vida dos outros. Então, é urgente tirarmos as mães desse lugar e trazermos a possibilidade de uma maternidade real e humana.