Autocompaixão: a importância de saber lidar com os próprios defeitos e limites
Boa mãe é quem se doa completamente? Boa mãe precisa atender todas às necessidades dos filhos? Boa mãe tem super paciência? Boa mãe tem que ser perfeita? Sabendo que a resposta para todas as perguntas é “não”, por que muitas mulheres ainda sofrem com a chamada culpa materna, aquela sensação de estar sempre aquém das expectativas pessoais e sociais relacionadas à maternidade? Mestre em Psicologia Positiva e especialista em Autocompaixão e Parentalidade Consciente, Adriana Drulla se debruçou sobre o assunto, fazendo pesquisa com mães e filhos. O estudo mostrou que mulheres mais autocompassivas, que carregam menos o peso da culpa materna, têm menos medo de errar e acabam transmitindo essa autocompaixão aos filhos.
– O problema da culpa materna não é a culpa em si, mas a forma como ela é prevalente e crônica. Sabemos que a culpa acontece para motivar uma maior coerência entre nossas ações, expectativas e valores. Mas no caso da culpa materna, as expectativas são inatingíveis e os valores incoerentes, logo é impossível se adequar. O paradigma vigente da maternidade diz que a boa mãe é aquela que se doa completamente em termos físicos, emocionais, psicológicos e intelectuais. A expectativa da mãe perfeita, o julgamento social a respeito da maternidade alheia, o excesso de informações, conselhos e boas práticas aprisionam as mulheres a padrões impossíveis que inevitavelmente geram culpa, frustração, exaustão e raiva. Pesquisas mostram que, cada vez mais, nos sentimos piores enquanto mães. Temos sentido mais medo, estamos mais confusas, e nos sentimos inferiores. Essa sensação de ineficácia afeta o bem-estar físico, a saúde mental, e a capacidade da mulher ser boa o suficiente no papel de mãe – diz Adriana.
Além de um desconforto emocional muito grande para a mulher, a culpa materna acaba afetando as crianças de várias maneiras.
– Uma das consequências possíveis, é que, para evitar o sentimento de culpa, mães passem a ser permissivas demais e inconsistentes com relação a limites. Outra consequência possível é que, para se adequar às exigências excessivamente altas, mulheres deixem de lado suas necessidades básicas para cumprir funções maternas. Pesquisas baseadas na teoria da autodeterminação sugerem que todos nós temos três necessidades psicológicas básicas: precisamos nos sentir competentes, ter relacionamentos saudáveis e um senso de autonomia. Estudos sugerem, por exemplo, que quando os pais não têm relacionamentos e conexões saudáveis, eles podem ser mais vulneráveis a experiências de abandono e separação, podendo então manipular as emoções da criança para fazê-la dependente da sua atenção e amor. Outros estudos mostram que quando nos julgamos incapazes ou incompetentes enquanto mães, é mais comum adotarmos estratégias que funcionam apenas no curto prazo, como o autoritarismo, punição e a manipulação, para que a criança se comporte da forma que esperamos. Ou seja, quando não atendemos às nossas necessidades, paradoxalmente nos tornamos mais autocentrados no relacionamento com os filhos. Nos tornamos mais controladores, menos pacientes, menos abertos às necessidades emocionais das crianças. A satisfação das nossas necessidades psicológicas básicas nos dá recursos, energia e abertura para atendermos e respeitarmos as necessidades dos nossos filhos também – afirma.
Culpa materna X Autocompaixão – Jovens autocompassivos sofrem menos depressão
O estudo de Adriana, “Transmissão Intergeracional da Autocompaixão”, foi motivado por questões relacionadas aos adolescentes que chamavam a atenção da especialista.
– Minha motivação foi motivada por três perguntas. A primeira delas era por que os adolescentes estão deprimindo cada vez mais. Uma das grandes questões na adolescência hoje é o aumento da comparação social, tanto por conta das redes sociais quanto porque hoje os pais, a escola e a sociedade têm maiores expectativas com relação às crianças. Essa sensação de ter que atingir expectativas altíssimas para se sentir bom o suficiente é um dos fatores que contribui para o aumento da depressão nesta faixa etária. A segunda pergunta era o que os adolescentes precisam aprender para entenderem que não precisam se comparar com ninguém ou atingir nenhuma expectativa para saberem que têm valor. Foi quando descobri trabalhos que apontam a autocompaixão como um antídoto para este foco excessivo na competição e destaque. Jovens autocompassivos se enxergam para além dos seus defeitos porque sabem que todos somos imperfeitos. Eles lidam melhor com o estresse, deprimem menos, vão melhor na escola, se comparam menos, e sabem que têm valor pelo que são. A terceira pergunta que norteou a minha pesquisa, foi: como será que os pais podem ensinar as crianças a serem autocompassivas? O que descobri foi que mães autocompassivas têm filhos mais autocompassivos e estas crianças se sentem mais conectadas às suas mães. Além de ensinarmos pelo exemplo, o que acontece quando somos gentis com as nossas imperfeições e nos tratamos com cuidado é que nos tornamos mais saudáveis emocionalmente, menos reativas, conseguimos nos conectar com a criança de uma forma mais profunda. Ao abrir mão da expectativa de nos tornarmos perfeitas, conseguimos aceitar que nossos filhos também têm defeitos. A criança que se sente aceita por quem ela é, que não acha que precisa mudar para receber amor, desenvolve um autoconceito mais positivo e maior autocompaixão – explica.
A pesquisa de Adriana foi feita com 246 pares de mães e filhos nos Estados Unidos, e teve resultado similar a uma outra pesquisa feita na Holanda com 900 pares de mães, pais e filhos, que mediu vários comportamentos parentais importantes como a qualidade da escuta, compaixão pelos filhos, a consciência dos pais sobre as emoções dos filhos e como os pais julgavam a própria atuação nos seus papéis de pais.
– Destes aspectos, a aceitação dos pais e as mães sobre a própria atuação enquanto pais foi o fator mais fortemente associado a menores níveis de depressão e ansiedade nos filhos. Quer dizer, aceitar nossas imperfeições com naturalidade e abrir mão das expectativas irrealistas, é importante para a resiliência emocional dos nossos filhos – diz a especialista.
Culpa materna x Autocompaixão – Culpa paterna existe, mas a pressão social sobre as mães é maior
Existe também a culpa paterna, e os cuidados devem ser os mesmos. Mas, apesar de os homens não estarem imunes a esse sentimento, a pressão social sobre a maternidade ainda é muito maior.
– A culpa é uma questão presente em todos os relacionamentos humanos. A capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir empatia é um pré-requisito para a culpa. Por isso, nos relacionamentos mais próximos a culpa está mais presente já que estamos mais atentos ao bem-estar do outro. No relacionamento entre mãe e filho ou entre pai e filho, a culpa é comum já que os pais sabem que o bem-estar dos filhos, assim como a saúde emocional e física é, de certa forma, responsabilidade dos pais. É importante lembrar que a culpa não é sempre ruim, ela pode contribuir para que mães e pais regulem seus comportamentos e ações em benefício dos filhos. Mas os problemas relacionados com a culpa crônica e o sentimento de incompetência enquanto pais certamente se aplicam tanto à maternidade quanto à paternidade. No entanto, a pressão social para ser uma mãe perfeita é muito maior do que a pressão sobre a paternidade. Logo, é mais comum que as mulheres tenham essa carga de culpa crônica e tóxica – explica Adriana.
Mesmo reconhecendo o quanto a culpa atrapalha, muitas mulheres têm dificuldade de lidar com tal sentimento. O primeiro passo, segundo a especialista, é entender que todos são imperfeitos, e a expectativa de ser uma mãe perfeita é inalcançável:
– Quando temos expectativas irrealistas, a frustração é inevitável, e quando nos sentimos frustrados, nos tornamos mais reativos e menos disponíveis emocionalmente para os nossos filhos. Uma excelente estratégia é acolhermos a nossa culpa e sentimento de inadequação com autocompaixão. A autocompaixão é a capacidade de fornecer suporte emocional a si mesmo, enfrentando desafios e adversidades com maior perspectiva e com a compreensão de que as dificuldades são comuns a todas as pessoas. A autocompaixão significa olharmos para as dificuldades com realismo e não com lentes de aumento. É sobre adotar uma postura gentil com relação a si mesma, dando pra si o que você precisa em um momento difícil, seja um banho demorado, seja pedir ajuda para alguém porque você precisa relaxar. Quando entendemos que todos somos imperfeitos e que todos nos sentimos inadequados em alguma medida, afinal a parentalidade é um desafio para todos, nos perdoamos com mais facilidade em vez de ver nossos erros como uma indicação de incompetência ou inferioridade. Mães autocompassivas têm maior facilidade para seguir em frente, e têm menos medo de errar, o que as faz persistir e tentar novos caminhos.
Culpa materna x Autocompaixão – Culpa nem sempre é prejudicial; autocrítica excessiva é
Adriana explica que a culpa não sé o contrário de autocompaixão. Autocrítica desmedida, sim.
– Culpa é um sentimento natural que surge quando prejudicamos alguém ou quando falhamos em algum objetivo que seja importante para nós. E a culpa nem sempre é prejudicial. A autocrítica excessiva e perversa é, sim, o oposto da autogentileza, um dos elementos da autocompaixão. E a autocrítica excessiva e perversa pode levar a sentimentos de culpa crônicos que pouco contribuem para o nosso funcionamento enquanto pais – enfatiza.
O sentimento de culpa pode até ser benéfico quando usado para uma transformação pessoal. Mas ninguém deve alimentar a culpa, e ser assombrado por ela.
– A culpa pode ser definida como uma emoção desconfortável que surge quando percebemos que nosso comportamento causou prejuízo a outra pessoa. Embora a culpa seja desconfortável, ela cumpre uma função importante para o funcionamento humano. Quando prejudicamos alguém e sentimos culpa, esse desconforto nos motiva a reparar o dano. Mais do que isso, a culpa nos leva a escolher melhores comportamentos da próxima vez, comportamentos mais alinhados com as nossas expectativas e valores. Pesquisas mostram que a culpa no contexto da parentalidade pode ser positiva. Por exemplo, ela pode motivar mães e pais a aceitarem responsabilidade por seus atos, pode levá-los a escolherem melhores formas de agir da próxima vez, podem ajudá-los a reparar a relação com os filhos quando os pais erram de alguma forma – avalia.