Coruja Educação Família

Educação sem violência

Educadora fala sobre benefícios e desafios da Comunicação Não Violenta

Ensinar é um eterno aprendizado. Educar também. Estamos sempre aprendendo com nosso erros, acertos, experiências. Aprendendo com nossos pais e nossos próprios filhos. Não há fórmulas mágicas, os costumes também mudam com tempo. O que valia para uma geração pode estar ultrapassado para outra.

Castigos? Palmadas? Diálogo? Não se trata de simples dúvidas. Tudo vira polêmica. A escritora e educadora parental Elisama Santos se dedica a estudar e divulgar a Comunicação Não Violenta, desenvolvida pelo psicólogo norte-americano Marshall Rosenberg. Autora dos livros “Tudo eu! Confissões de uma mãe sincera” e “(Re)Olhar – Acolhendo quem somos e os filhos que temos”, Elisama fala um pouco ao Quem Coruja sobre a Comunicação Não Violenta e o porquê de ela se debruçar sobre o assunto, ajudando muitas mamães e papais.

Quem Coruja – O que é a Comunicação Não Violenta?
Elisama – A comunicação não violenta é uma forma de comunicação esquematizada pelo Marshall Rosenberg, que nos liga ao dar e receber natural. Um jeito de estar nas relações com presença e compaixão, aprendendo a equalizar os sentimentos e necessidades de todos. É algo muito profundo que não dá pra ser resumido a um método. É um processo contínuo de aprendizado.

Quem Coruja – Você já conhecia a Comunicação Não Violenta antes de ter filhos? Sentiu alguma diferença entre a teoria e a prática?
Elisama – Não conhecia. Antes de ter filhos eu era como a maioria da população brasileira, apoiava as palmadas e castigos e enxergava nas crianças pequenos tiranos. Quando o meu primeiro filho nasceu, em 2012, eu comecei a questionar o senso comum e daí fui cheguei à disciplina positiva e à comunicação não violenta. A medida que eu estudava e aplicava em minha casa, percebi que muita gente queria fazer diferente mas não sabia como. Me dediquei a ajudar pais e mães a melhorarem as suas relações com os seus filhos através de uma mudança de olhares na relação, incentivando a autodisciplina, autonomia, autoestima e resiliência nas crianças, o que hoje chamo de educação não violenta.

Quem Coruja – Mais difícil do que mudar o comportamento das crianças é mudar o comportamento dos pais. De que forma seu trabalho ajuda neste processo?
Elisama – Eu acredito que não há modo de educar de maneira não violenta quando a minha linguagem interna é altamente violenta. Meu trabalho não foca apenas na relação com a criança, mas na relação que temos com nós mesmos. A forma como me sinto e como lido com o que sinto interfere diretamente na forma que lido com os sentimentos e necessidades dos meus filhos. Quanto mais compassiva sou comigo, mais fluido ter compaixão pelo outro. São coisas muito ligadas. A grande questão é que não queremos olhar pra dentro da gente, queremos viver no automático e não vamos conseguir uma comunicação honesta se não estivermos conscientes e inteiros. Nós temos padrões de educação em nossa cabeça, histórias que foram passadas pelos nossos pais e avós e nos acostumamos a não nos olharmos com gentileza, tão pouco os nossos filhos. Ou partimos para o extremo oposto, a permissividade, e, em nenhuma das situações estamos pensando em formas de educar que encorajem e despertem as habilidades que queremos ver no futuro. Acho que o maior presente que estudar sobre educação me deu foi transformar a minha visão de mim mesma.

Quem Coruja – Há vários tipos de malcriação. E, em muitos casos, os pais ficam realmente sem saber o que fazer. Pela sua experiência, pessoal e profissional, qual a principal orientação nessas situações?
Elisama – Existem duas coisas bem importantes nessas situações. A primeira é que nenhum mau comportamento existe sem motivo. Nenhuma criança acorda e, conscientemente, decide acabar com a tranquilidade dos pais. Mau comportamento tem uma razão de existir, precisamos olhar para além dele. Toda criança quer ser amada e aceita e, por vezes, não sabe conseguir esse amor e aceitação de maneira adequada. O que ela está tentando me pedir com esse comportamento que julgo incorreto? O que está sentindo e quais necessidades tem? Nós temos o costume de lidar apenas com o mau comportamento e não damos para a criança as ferramentas para melhorar quando se sentir novamente assim no futuro. A nossa educação é imediatista. Quando penso em como ela está se sentindo e apresento ferramentas socialmente aceitas para lidar com aquele sentimento, ela se sentirá mais capaz de fazê-lo no futuro. O segundo ponto é que não nascemos sabendo. Apesar do senso comum nos dizer que todos sabemos criar outros seres humanos, educar é muito, muito, muito desafiador. Estudamos para tudo, mas não para a missão que, ao meu ver, é a mais importante de todas. Se não sei como agir, posso pedir ajuda, posso comprar um livro, um curso online, contratar um profissional que me auxilie. Trocar ideias em grupos de pais e mães, pedir conselhos a alguém que tenha uma visão de mundo parecida com a minha, enfim, assumir o papel de quem aprende enquanto ensina.

Quem Coruja – Sabemos que as pessoas respondem de forma diferente a determinadas situações, e isso não é diferente entre as crianças. Por isso, não existe uma receita para educá-las. Para você, qual é o maior desafio na arte de educar?
Elisama – O maior desafio é estar presente. Sair da minha cabeça tagarela cheia de “tem que” para mim e para as minhas crianças. Quando estou aqui, agora, enxergando essa criança que está à minha frente, ouvindo-a e ouvindo a mim mesma, a busca por soluções para os problemas fica mais fácil e faz mais sentido. O Marshal Rosenberg dizia que a maioria dos nossos conflitos poderia ser resolvida por crianças de 6 anos se soubéssemos dizer como nos sentimos e do que precisamos. É isso. Um exercício de sair dos rótulos, dos conceitos pré-determinados e expectativas excessivas. Uma abertura que não cabe nas formas tradicionais de educar. Se estou presente, as minhas chances de conseguir equilibrar de maneira saudável os sentimentos e necessidades de todos na família são muito maiores do que quando estou perdida nas histórias que conto na minha cabeça sobre que ‘tipo de mãe” eu deveria ser ou que “tipo de filho” eu deveria ter.

 

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