Ginecologista ressalta a importância do diagnóstico de endometriose já nos primeiros anos de menstruação
Além de muito desconforto provocado por dores fortes, a endometriose pode causar, em casos mais graves, infertilidade. Mas a doença, caracterizada pela presença do endométrio (tecido que reveste o interior do útero) fora da cavidade uterina, tem tratamento. E quanto mais cedo diagnosticada melhor. E este “cedo” quer dizer ainda na adolescência, ressalta o ginecologista e obstetra Claudio Basbaum, da Clínica Pró-Matrix e membro do corpo clínico do Hospital São Luiz, em São Paulo.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a adolescência é a idade compreendida entre os 10 e 19 anos. Um dos sintomas que caracteriza a endometriose é a cólica acentuada, mas Basbaum lembra que a dor menstrual (dismenorréia) se manifesta em 60% a 90% das meninas nesta etapa da vida, e que é considerada normal dentro de certos limites. Cólicas muito intensas, no entanto, devem ser investigadas por um especialista.
– A “dor normal” é a chamada dismenorréia primária, provocada pelos níveis mais elevados das prostaglandinas, substâncias produzidas no próprio útero e que causam contrações mais acentuadas e mais dolorosas sobre sua musculatura. Nestes casos, podemos fazer uso de medicação analgésica comum, lançar mão de AINHs (antinflamatórios não hormonais) ou ainda dos anticoncepcionais hormonais, tratamentos que dão resultado contra as dores em até 80% das adolescentes. Entretanto, quando diante da dismenorréia secundária (dor menstrual que aparece vários anos depois da primeira menstruação) e mais ainda, quando esta é intensa e resistente ao uso de analgésicos, o sintoma está associado a algumas doenças locais já existentes. Entre elas, a mais frequente é a endometriose. Às vezes diagnosticada ainda em sua fase inicial, sempre requer orientação médica especializada para alcançar o diagnóstico preciso e iniciar o tratamento em tempo hábil para impedir a progressão da doença, com todas as suas consequências – explica Basbaum.
Segundo o ginecologista, dados da Associação Americana de Endometriose revelam que 66% das mulheres adultas com endometriose começaram a apresentar os sintomas antes dos 20 anos, mas receberam o diagnóstico correto depois de 12 anos ou mais. Além das dores abdominais e cólicas intensas, eventualmente até fora do período menstrual, outros sintomas de endometriose são alterações intestinais ou urinárias exacerbadas, e dor nas relações sexuais, sobretudo a dor na profundidade e não na penetração.
– O problema é que os exames de imagem para diagnóstico de endometriose – ultrassonografia pélvica e ressonância magnética – nas adolescentes não são conclusivos, pois não conseguem detectar as lesões ainda superficiais e menos extensas – diz o médico, que, ainda assim, chama a atenção para a importância da visita ao ginecologista e a realização dos exames. – Após o procedimento de cuidadosa avaliação ginecológica clínica, o próximo passo é solicitar exames de imagem e interpretar os resultados obtidos. A primeira escolha seria a ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal, embora, em alguns casos seja impeditivo realizá-la, como em jovens que ainda não iniciaram sua vida sexual; a complementação então é feita com a ressonância magnética, apesar de que quando as lesões são mais superficiais, tornam-se de difícil reconhecimento ao método. Não satisfeitas estas condições, podemos recomendar a videolaparoscopia que oferece o resultado de certeza, pela avaliação direta e pelo estudo anátomo- patológico dos fragmentos de biópsia das lesões, bem como é a via de eleição para o tratamento da moléstia no mesmo ato.
A doença atinge em torno de 10% a 15 % das mulheres em idade fértil em todo o mundo. O tratamento dependerá do grau da endometriose, que pode ser mínima, leve, moderada e severa.
– Alerto que embora ainda não haja consenso sobre qual o melhor tratamento para endometriose nas adolescentes, ela deve ser conduzida conforme o grau de classificação, isto é, mínima, leve, moderada e severa, de acordo com a Sociedade Americana de Medicina Reprodutiva. Assim, além do uso da medicação sintomática, pode ser benéfico no alívio da dor a aplicação de calor local, os exercícios físicos, acupuntura etc. Porém, dependendo do grau de queixas apresentadas, teremos que ser mais radicais – afirma o médico.
A partir do diagnóstico, é necessário fazer acompanhamento médico adequado para a faixa etária.
– Sempre que possível, o ideal no tratamento de adolescentes com endometriose é iniciar com recursos medicamentosos progressivos que possam bloquear os estímulos dos hormônios ovarianos sobre os focos da doença, recorrendo aos anticoncepcionais hormonais combinados ou progestogênios isolados contínuos. Muito excepcionalmente, pode ser indicado o uso dos análogos da gonadotrofina (o GnRH) que fazem um intenso bloqueio menstrual temporário, com o efeito não desejado de interferir no pleno desenvolvimento das funções endócrinas reprodutivas da jovem adolescente além de poder comprometer a densidade mineral óssea (osteopenia e osteoporose), portanto seu uso é mais recomendável numa faixa etária mais avançada – explica Basbaum.
A primeira consulta com um ginecologista também não deve ser adiada. Mesmo meninas que não tenham relações sexuais podem e devem ser orientadas por este especialista. No caso específico de endometriose, é o ginecologista que fará o diagnóstico e tratamento. Mas, independentemente disso, é também este profissional que poderá ajudar na prevenção e tratamento de outras situações.
– Profissionais das várias áreas clínicas que atendam adolescentes , como endocrinologistas, pediatras , hebiatras (clínico especializado no atendimento de adolescentes), devem estar preparados para lembrar que a doença existe e quando suspeitada, orientar na procura do profissional mais habilitado. O ginecologista é o especialista que com conhecimento clínico específico, delicadeza e cumplicidade, estará mais apto para dialogar e orientar, estabelecendo importante vínculo neste momento de transição. Recomendo que a primeira visita seja feita mesmo antes da primeira menstruação, quando já estejam acontecendo as transformações no corpo da menina.
As visitas ao ginecologista , caso não surjam intercorrências que antecipem o fato, deverão ser feitas a cada um ou dois anos, para que se possa acompanhar o desenvolvimento físico e funcional sob a ótica ginecológica, bem como já instruir a jovem quanto à sua anatomia, padrão menstrual, higiene, vacinação, tensão pré-menstrual (TPM), cólicas menstruais, dar orientação sobre sexualidade e doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) além de fornecer dicas sobre contracepção – avalia Claudio Basbaum.
Ainda segundo o ginecologista e obstetra, embora a endometriose seja uma moléstia de causa ainda “enigmática”, o histórico familiar, a menarca precoce e fluxos menstruais abundantes, de longa duração ou de maior frequência, são considerados fatores de risco para o desenvolvimento da mesma.