Coruja Família

Contra a violência sexual

Crianças precisam de informação e atenção sobre o tema 

O assunto pode parecer bem difícil, mas não é pior do que o problema. Para proteger as crianças de violência sexual é preciso falar com elas sobre sexualidade. Estarem bem informadas e, principalmente, sentindo-se acolhidas e amadas, terão melhores meios de reconhecer o abuso e apontar o agressor.

– As pessoas precisam entender que a sexualidade não é sinônimo de relação sexual. Trabalhar com a sexualidade de crianças e adolescentes diz respeito a abordar assuntos como higiene, cuidados com o corpo, relacionamentos em geral. A relação sexual é apenas um aspecto da sexualidade, que será vivenciado mais tardiamente, não na infância. Quando se fala sobre cuidados com o corpo com as crianças, mostra-se para elas que é possível falar sobre esse assunto, que não é preciso ter medo de perguntar sobre partes íntimas. Existem muitos materiais disponíveis sobre prevenção da violência sexual e o que eles têm em comum é que abordam de forma simples o cuidado com o corpo, apresentam as partes íntimas e indicam que as pessoas não podem mexer nas partes íntimas das crianças – ressalta o psicólogo Jean Von Hohendorff, coordenador do Grupo de Pesquisa Via-Redes (Violência, Infância, Adolescência e Atuação das redes de proteção e de atendimento), do programa de Pós-Graduação do IMED (Passo Fundo/RS) e membro da Sociedade Brasileira de Psicologia.

Além de conhecer seu próprio corpo, saber que algumas partes não podem ser tocadas nem por pessoas que ela conhece (pesquisas mostram que a maior parte dos abusos são cometidos por pessoas do convívio da criança), a criança precisa se sentir segura para confiar. A violência sexual não é só física. O medo, a vergonha e outros muitos sentimentos impedem a vítima de buscar socorro.

– Nas minhas palestras, eu costumo dizer que a principal forma de prevenir qualquer violência contra crianças e adolescentes, mas principalmente a sexual, é dizer para a criança que se alguém fizer algo que faça com que ela se sinta mal, mesmo que a pessoa diga que é correto fazer aquilo, ou que peça segredo para ela, que ela conte para um(a) adulto(a) de confiança. Que ela conte mesmo se for dito que não é para contar ou se a amaçarem caso conte. No entanto, é importante frisar que é necessário acreditar na criança. De nada adianta ela contar algo e o(a) adulto(a) não acreditar. Na maioria das vezes, os agressores são pessoas da família, que possuem laços de confiança e afeto com a criança e demais familiares. São pessoas consideradas, muitas vezes, “acima de qualquer suspeita” e os adultos acabam não acreditando no relato da criança. Caso a criança revele qualquer situação, é dever do(a) adulto(a) proteger essa criança e notificar o caso no Conselho Tutelar para que as medidas de proteção sejam imediatamente realizadas. Caso se saiba de qualquer situação de violência e nada seja feito, passa-se a ser um(a) cúmplice dessa violência ao invés de um(a) protetor(a) da criança – afirma Hohendorff.

Estar atento ao comportamento da criança também é muito importante.

– Antes de tudo, é importante frisar que não existe um padrão de mudança de comportamento da criança. Cada criança vai reagir de uma forma diferente de acordo com suas características pessoais (temperamento, situações de vida prévias) e contextuais (apoio recebido). O que as pesquisas indicam é que a criança pode desenvolver ansiedade intensa, principalmente em relação aos estímulos relacionados à violência, tais como a presença do(a) agressor(a), o local de ocorrência da violência ou algum objeto utilizado durante a violência. Geralmente ocorre um declínio no rendimento escolar, ou seja, a criança não consegue ter atenção em aula, pois, muitas vezes, a memória da situação traumática (violência) é constante, impedindo que se concentre na aula. Outras crianças apresentam isolamento, tristeza e raiva. Gosto muito de um vídeo que apresenta claramente tais consequências, bem como todo o contexto de ocorrência das situações de violência sexual contra crianças e adolescentes. Sugiro que pais, professores e todas as pessoas que interagem com crianças o assistam, pois assim entenderão como é para a criança ser vítima e se sentir desamparada frente à essa situação. Quem tiver interesse em aprofundar o conhecimento, sugiro um artigo que eu e a colega Naiana Dapieve Patias recentemente publicamos com o objetivo de divulgar informações essenciais sobre o assunto.

Nossas políticas públicas de combate à violência sexual contra crianças, segundo Jean Von Hohendorff, só não são melhores por falta de verba. Há muito trabalho sendo desenvolvido para evitar o problema, e de acolhimento às vítimas. Ele cita como exemplos bem-sucedidos o CRAI de Porto Alegre, o Iluminar Campinas e Centro 18 de maio.

– O que é necessário é que iniciativas como essas sejam a regra em todo país. Temos excelentes políticas – Os Sistemas Únicos de Assistência Social (SUAS) e o de Saúde (SUS) são exemplos para o mundo. Temos um plano nacional de enfrentamento e, recentemente, foi aprovada a lei n. 13431/2017, que busca aperfeiçoar os serviços de atendimento às vítimas. O problema está na operacionalização dessas políticas. Faltam recursos financeiros, ainda mais agora com os alarmantes cortes promovido pelo atual governo federal, o que resulta em serviços com infraestrutura inadequada, profissionais com capacitação insuficiente e grandes filas de espera – avalia Jean von Hohendorff, ele mesmo em busca de apoio. – Uma de minhas mestrandas, Jussara Besutti, está fazendo uma pesquisa muito interessante com o objetivo de desenvolver um aplicativo de prevenção à violência sexual contra crianças. Atualmente, ela está entrevistando pais, professores e crianças tentando entender como deve ser esse aplicativo. Nossa ideia é conseguirmos financiamento para contratarmos profissionais que desenvolverão o aplicativo a partir dos resultados da pesquisa.

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