Tolerância, igualdade, representatividade. Por mais que pareçam complexos, esses conceitos vêm permeando muitas histórias infantis, contribuindo para a formação dos pequenos leitores. Em Corvo-Correio (Mazza Edições), a autora Isabela Cintra usa-os para abordar o racismo. O protagonista Corvo José precisa superar obstáculos que o impedem de realizar o sonho de ser carteiro, como os pombos.
Isabela tem participado de produções e eventos que divulgam a literatura em língua portuguesa fora do Brasil, especialmente na Europa. Ela é brasileira, mas vive na Suécia. Lançou seu primeiro livro em 2015, e já tem sete títulos publicados, todos ilustrados pelo irmão Zeka Cintra.
Confira a entrevista da autora ao Quem Coruja.
Quem Coruja – O racismo é um problema mundial, mas aparece de forma mais evidente em algumas culturas. Como você, morando fora do Brasil, avalia o preconceito aqui e no exterior?
Isabela Cintra – Eu acredito na evidência de uma resposta histórica. O Brasil foi o último país do ocidente a abolir a escravidão (Lilia Schwarcz – historiadora) e esse fato se reflete drasticamente no desafio do país hoje, em desnaturalizar certas coisas. No Brasil o preconceito não só racial mas também social, está encravado na estrutura de toda uma sociedade, enquanto que em países como a Suécia onde moro, por mais que também exista preconceitos, jamais terão a mesma profundidade e invisibilidade como há no Brasil.
Quem Coruja – Como foi abordar um tema tão sério com a leveza da história infantil?
Isabela – Escrever já é um exercício desafiador e para crianças se torna ainda mais porque, por mais que seja por exemplo uma escrita lúdica e fantasiosa, é preciso ter uma certa honestidade e o assunto precisa ser respeitado. O processo de escrita do Corvo-correio transcorreu por 4 anos, foi feito com muita responsabilidade e muito medo também. Não foi fácil tomar a decisão de apostar na história que seria contada.
Quem Coruja – Você tem recebido retorno do público leitor? Como as crianças têm reagido à história?
Isabela – O que mais ouço dos leitores é que o livro fala de racismo “sem falar de racismo”. Isso acontece pela maneira lúdica que a história se desenrola no bosque, entre os animais. Durante a pandemia realizamos muitas leituras on-line, em projetos culturais, escolas, instituições de ensino e a reação não só das crianças, mas dos adultos também é de descoberta; há quem tenha utilizado o livro em Portfólio de Licenciatura. Uma descoberta de que existem outras vozes a serem ouvidas, de como é gostoso se sentir envolvido, abraçado por sentimentos tão bonitos como a união, a empatia, a importância do trabalho em equipe e a valorização da diversidade durante a leitura de um livro infantil. É emocionante ver essa descoberta e ainda se sentir responsável por ela.
Quem Coruja – De que forma sua experiência de vida, como mulher negra, norteia seu trabalho como autora?
Isabela – É fundamental dizer que nós negros contamos muito pouco da nossa história sendo povo de tanto valor. Tudo que eu escrevo vem da naturalidade de ser quem eu sou e isso me faz crer que a minha literatura é totalmente comprometida com o mundo que eu quero ver. Sem dúvida é isso que me motiva e tem ligação direta com meu trabalho. Toda voz é importante. É essencial que cada um de nós encontre a sua.
Fotos de divulgação