Educação

Filosofando

Ana Paula BotelhoAtriz e mestre em Filosofia, Ana Paula Botelho propõe conversas filosóficas com os pequenos

Crianças percebem o mundo de várias maneiras e desde bebês. A fase de levar tudo à boca, por exemplo, é uma maneira de experimentar e conhecer as coisas concretas, afirmam especialistas. Já a fase do “por que?” é a forma mais espontânea de os pequenos quererem se apropriar do mundo. Perguntam sobre tudo. E é esse processo natural de experimentar e questionar que permite às crianças filosofarem sobre as mais variadas questões. Mestre em Filosofia e também atriz e autora teatral, Ana Paula Botelho já trabalhou a disciplina como professora, em sala de aula, mas agora quer desenvolver um trabalho mais direcionado, promovendo conversas filosóficas com crianças.

– Tenho um projeto e estou absolutamente entusiasmada com ele. Quero levá-lo às crianças de modo prazeroso. Nas minhas buscas por um material, encontrei o trabalho do filósofo francês Oscar Brenefier, que elaborou uma coleção de livros belíssimos, com as tais ‘questões complexas’ tratadas de modo adequado e atraente para o universo infantil – diz Ana Paula, que pretende desenvolver conversas com as crianças, em encontros nos quais serão debatidos os assuntos abordados nos livros. –  É uma conversa informal, porém dirigida, que segue um passo a passo dos assuntos: apresentação, problematização, hipóteses, exemplos, síntese e conceituação. Mas tudo isso é feito naturalmente. Todos  são convidados a ouvir e a se expressar com originalidade, libertando-se do medo de errar, buscando clareza e precisão, sendo responsável por sua fala.

Como professora, Ana Paula conhece os pontos fortes e fracos do ensino de Filosofia nas escolas.

– Não dá pra ter uma avaliação única. As escolas trabalham de modos diferentes. Há algumas que oferecem disciplinas como “atualidades” ou “cidadania”, e muito provavelmente estão praticando a filosofia nesta hora. Estudar história da Filosofia é certamente importante, pois os filósofos dialogam uns com os outros e constroem seus conceitos, desenvolvem suas ideias sobre o que foi pensado anteriormente. Mas, como em tudo, na escola, se estudar filosofia for somente para responder às provas e o aluno não se sentir conectado com o conteúdo, esse vai ser esquecido, após se obter a nota exigida. É preciso que os responsáveis tenham a experiência de ver nos filhos, a evolução que a prática reflexiva pode proporcionar. Meu entusiasmo e crença nesse trabalho vem da experiência – avalia.

A conversa filosófica é possível e bastante proveitosa porque, explica Ana Paula, as crianças são filósofas por natureza:

– Desde cedo observam, tentam alcançar, se esticam para tocar, levam objetos à boca com objetivo de sentir melhor. O que isso tem a ver com filosofia? Em grego, saber está diretamente ligado a sabor, o que traduz a importância do experimentar. Isso é válido para objetos mais concretos e funcionais até os objetos abstratos, como são, muitas das questões filosóficas. Investigar, ter curiosidade são os primeiros passos da filosofia, e é cedo que as crianças começam a perguntar “por que?”. Essa capacidade de perguntar, mostra que o pequeno filósofo está ávido por filosofar.

O trabalho não se dá da mesma forma para todas as idades, e os encontros propostos por Ana Paula são indicados para crianças a partir dos 7 e 8 anos. E a filosofia pode ser explorada de várias maneiras, assim como pode explorar vários conceitos e habilidades. Um exemplo é que, além de trabalhar a curiosidade infantil, a filosofia estimula a escuta.

–  Escutar para entender melhor; entender para pensar e falar melhor. A prática filosófica contribui para a formação de um indivíduo mais consciente de si mesmo e do mundo ao seu redor, apto a exercer a atividade de reflexão e a respeitar o outro – afirma Ana Paula.

A complexidade dos argumentos vai aumentando de acordo com a idade, desenvolvimento da linguagem e o discernimento do público. Por isso, a conversa direcionada ao universo infantil pode, sim, tratar questões consideradas “complexas”, como liberdade e necessidade.

–  A diferença será a contextualização, a linguagem, a criança precisa sentir que está falando de algo que lhe interessa, que faz parte de sua vida. “Posso fazer tudo o que quero sempre? Por que eu preciso obedecer quando não quero? Por que preciso ir à escola e escovar os dentes todos os dias, se eu acho isso chato?”. As crianças estão prontas para essas questões. E essas são questões filosóficas sobre liberdade e necessidade, dois conceitos que sempre farão parte de nossas vidas e sempre serão estudados pela filosofia – exemplifica.

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