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Por que e como as telas são prejudiciais às crianças?

Viver na era digital é estar “conectado” o tempo inteiro. As telas viraram janelas para o mundo. Mas, apesar de todas as vantagens e benefícios que a tecnologia traz, é preciso estar atento às consequências reais do excesso virtual. E por que isso é ruim? O pediatra e neurologista infantil Marcone Oliveira chama a atenção para os novos comportamentos e algumas alterações que já começaram a ser observados em crianças que passam muito tempo em frente às telas de smartphones, tablets, computadores, TVs.

–  Infelizmente, tenho observado mudanças no comportamento das crianças com uso de telas com muita recorrência. A primeira coisa que temos que lembrar é que o uso de telas antes dos 2 anos é contraindicado porque esse é o período que a crianças está passando por uma neuroplasticidade muito grande, acontecendo várias estratégias de desenvolvimento cerebral natural da criança, como a sinaptogênese, que é a formação de sinapses, a mielinização, que acontece em sua maior parte até essa fase. E sabemos que quando expomos a criança à tela, ela não é protagonista do aprendizado, mas simplesmente uma receptora daquilo que a tela está promovendo, e isso prejudica o aprendizado de várias formas – diz o médico. 

Um estudo realizado em 2019 e publicado no JAMA – The Journal of the American Medical Association, mostrou que crianças que passam mais tempo em frente às telas, têm menor mielinização (uma espécie de capa protetora de um fio, por onde passam estímulos neuroquímicos que permitem que sua passagem por eles, tornem-se mais rápidos), menor integridade da substância branca (os estímulos) e menor capacidade de letramento e linguagem (aprendizagem). 

– Estamos vendo crianças com atraso motor por excesso de tela. Temos visto crianças com certo grau de hipotonia (diminuição do tônus muscular), não toda hipotônica, mas que ainda não aprendeu a desenvolver a motricidade fina de maneira adequada porque ficou muito tempo na tela. A gente tem visto criança com 5 anos com dificuldade de iniciar o letramento porque ela só recebe informações. A gente tem visto adolescentes mudando a forma cultural de relacionamento social. A criança tem ficado muito no quarto, muito isolada e isso dificulta a capacidade de lidar com outra pessoa, de manter relacionamentos interpessoais. Existe uma lista de alterações que estamos observando nos consultórios – afirma o neurologista.

Uso excessivo de telas – Estudos procuram mostrar como o uso de telas afeta o desenvolvimento

Todas essas observações médicas têm encontrado respaldo em estudos científicos que vêm sendo desenvolvidos para entender melhor de que forma o uso de telas pode afetar a saúde de bebês, crianças e adolescentes. 

– A exposição às telas realmente é algo que tem preocupado muito, mas muito mesmo a Sociedade Brasileira de Pediatria, os profissionais e os pais, porque temos observado, sim, danos a essas crianças. Existem muitos estudos, e cada estudo aborda uma área.  E cada vez mais temos entendido mais sobre o uso de telas por crianças – diz Marcone. 

Ele lembra que diagnósticos relacionados ao uso de telas começaram em 2013, e apenas agora, com o CID11 (Código Internacional de Doença), que passa a valer no Brasil a partir do ano que vem, poderá ser feito diagnóstico de dependência de jogos eletrônicos.

–  Esses estudos começam a trazer as bases de entendimento neuroquímico do que essa exposição à tecnologia tem causado às crianças. O diagnóstico serve para mudança de atitude, de comportamento. Para que o diagnóstico seja feito, ele precisa, necessariamente, trazer danos à pessoa. Os estudos têm ajudado a entender como funciona, o que causa e dar ciência ao que está acontecendo a essas pessoas que têm adição (dependência) a esses jogos – explica o médico. 

Mundo real x mundo virtual – Sensações iguais, controle diferente

As telas proporcionam as mesmas sensações e sentimentos que se pode ter diante de situações reais e presenciais. A desvantagem está na forma como controlamos e aprendemos a lidar com essas sensações e sentimentos. 

– As mesmas sensações de nervosismo, irritabilidade, ansiedade, felicidade, tristeza, que a pessoa consegue na vida real, ela consegue ter se submetida a determinados procedimentos nas redes sociais e nos jogos. Na vida real, é benéfico porque essas sensações, das formas controladas como acontecem, nos ensinam e nos impulsionam a viver uma vida melhor, com mais qualidade. Se tenho raiva diante de uma situação, eu evito essa situação. Se tenho alegria diante de uma situação, eu repito essa situação. Entretanto, quando você vai para o meio virtual, essas sensações podem estar presentes de uma forma muito intensa. Quando, por exemplo, a criança passa de fase num jogo, isso pode liberar endorfina e a criança volta a querer com muita intensidade essa endorfina, e volta a tentar, tentar, tentar. Na vida real, é benéfico porque eu tenho um controle e consigo desenvolver gradativamente com ele. No virtual, eu não tenho tanto esse controle. E como é, digamos, adito, ou seja, me causa vontade de fazer de novo, eu posso enviesar por uma questão de repetição deste comportamento e trazer prejuízo – explica o médico. 

Uso excessivo de telas e transtornos

Marcone Oliveira ressalta que não existe nenhum estudo que comprove relação entre uso de telas e autismo. Ainda assim, acha importante estar atento a esse e outros transtornos que podem estar, de alguma forma, relacionados ao uso excessivo de telas.

– Transtornos de ansiedade, crianças com comportamentos mais impulsivos, crianças com comportamentos mais irritativos, crianças com maiores índices de dificuldades no aprendizado. Provavelmente, todas essas características podem estar, sim, relacionadas à questão da tela. Em relação ao autismo, ainda não existe nenhum estudo científico que comprove a ligação entre uso de tela e o autismo, mas é algo que chama a atenção. Da mesma forma exponencial que temos visto aumentar o uso de telas por crianças, na mesma velocidade a gente vê aumentar o número de crianças dentro do espectro. O CDC (Centro de Controle de Doenças) fez um levantamento de que nos EUA, em cada 44 crianças, uma está dentro do espectro. Um número altíssimo. Ainda não existe nenhuma relação comprovadamente científica de telas e autismo, mas temos que começar a ficar atentos. Daqui a pouco, os estudos provavelmente vão mostrar alguma relação, ou não, deste contexto – avalia Marcone Oliveira. 

Foto em destaque: Imagem de Ri Butov por Pixabay 

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