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Aos casais grávidos. Vai Passar!

O texto abaixo é assinado pelas psicólogas Heloisa Coutinho e Denise Streit Morsch

Aos casais grávidos. Vai passar!

Diante das exigências que a pandemia do Covid-19 hoje impõe, de distanciamento e isolamento social, estamos frente a necessidade de mudanças nunca imaginadas. Se em situações de fragilidade, a presença, a proximidade e o apoio de pessoas queridas são fundamentais e tranquilizadoras, estamos sendo orientados a não nos aproximarmos, a não abraçarmos, a não tocarmos pessoas amigas ou familiares. Com isto perdemos grandes provisões para nosso mundo afetivo. E que falta isto faz!

Lembramos aqui um período especial na vida familiar que é a gestação e o nascimento de um bebê e o quanto este tempo está carregado de emoções e sentimentos que desejam ser compartilhadas. Por muitos anos vimos trabalhando e estudando este momento evolutivo na família e entendemos que, diante destas novas solicitações impostas pela pandemia, necessitamos pensar sobre formas de lidarmos com elas no momento atual.

Todas informações obtidas até hoje sobre gestação e COVID-19 nos informam que não há riscos maiores para a contaminação da mulher grávida, saudável. Da mesma forma sabe-se que mesmo naqueles casos que a mãe tenha sido acometida, isto não determina que o bebê seja contaminado no útero materno. Os poucos casos que sabemos até agora sobre contaminação de bebês mostram que esta se deu através de contatos de pessoas que se encontravam fora do isolamento familiar mais próximo. A Organização Mundial de Saúde, assim como sociedades médicas de obstetrícia, de pediatria e de enfermagem de diferentes países tem uma grande preocupação em acompanhar gestantes, seus partos e o nascimento dos bebês e vem disponibilizando informações constantemente atualizadas. Seu médico obstetra, o pediatra e a enfermagem que lhes acompanha, estão capacitados a informar e orientar suas dúvidas.

No entanto entendemos que não basta cuidarmos da saúde e segurança física da mãe e do bebê, pois a gestação, para além de um processo físico, é um processo psíquico e subjetivo; entendemos que tanto a futura mãe como o futuro pai sintam-se inquietos frente a respostas genuínas e verdadeiras que surgem dos profissionais de saúde: o que sabemos até hoje, as informações são poucas, ainda estamos conhecendo este vírus.., as quais não respondem as suas inquietações. Mas sim, estamos num tempo singular, provocativo na busca de respostas, extremamente dinâmico. Por outro lado, esta inquietação que parece existir como parte deste momento presente, deve ser contextualizada. Durante a gestação, medos, temores, preocupações podem estar muito presentes. A Covid-19 se soma a estas e amplia todas estas interrogações e dúvidas originando sonhos ou pensamentos que podem parecer “bobagens” nos futuros pais. Mas queremos dizer que não são bobagens, não são pensamentos que devem ser desconsiderados ou descartados. Eles surgem do forte sentimento que vem desabrochando a cada dia dentro de vocês – o vínculo afetivo com o bebê.

E este vínculo afetivo entre os pais e seu bebê é acompanhado na grande maioria das vezes de uma boa dose de compromisso em proteger. Se permitam tais pensamentos, acolham, conversem muito sobre eles, em especial com quem vocês se sentem seguros e validados. Vai fazer muito bem ao casal não se intimidar frente a estas preocupações. Aos poucos vocês entenderão que à medida que este bebê cresce, que vai se tornando uma pessoa cada vez mais independente, outros temores surgirão e eles têm sempre a mesma origem – o amor.

Em sendo assim, queremos pensar, junto de vocês, que cuidados neste momento vão solicitar flexibilidade, aceitação, adaptação, criatividade, novos caminhos, de forma que aquilo que não é possível, não incomode a ponto de não permitir os novos caminhos. Não podemos esquecer que apesar de que o mundo se encontra em mudança, muitas coisas permanecem. Muitas experiências emocionais, biológicas, cognitivas próprias de uma gestação, continuam presentes e não devem ser esquecidas ou suplantadas pelas novidades que estamos vivendo. Começamos a ver que é possível, sim, viver a alegria que a gestação traz e a saúde emocional no meio da crise. Afinal, ser diferente do que imaginávamos não quer dizer, necessariamente, ser ruim.

As redes sociais

Lembramos de algo que vocês já sabem e tem servido muito nestas últimas semanas – as redes sociais. Já descobriram grupos de gestantes? Algum grupo tem a sua cara, você se reconhece nele? Sintam-se totalmente à vontade para se inserir nas redes que apresentam idéias sensíveis e sensatas e abandonar aquelas que vocês avaliam que não se mostram capazes de compartilhar boas informações.

E temos que lembrar sempre que, para além de COVID-19, temos um mundo pulsante, imagens incríveis, conquistas surpreendentes acontecendo a cada dia. Uma delas é esta de vocês estarem gestando um bebê. Pensar sobre como ele/ela vem se formando, crescendo, sofisticando habilidades e competências carrega consigo processos surpreendentes. Estes são temas que podem ser compartilhados ou buscados em suas redes. E estas informações todas vão ajudar a imaginar o que já faz o pequeno bebê, em seu útero. Já sente os movimentos? Será que ele está brincando com o cordão umbilical? Lambendo a mão? Sentindo o aroma do lanche feito pela mãe? A construção do bebê envolve estas imagens maternas e paternas carregadas de sentimentos e emoções especiais. E quando falamos especiais, não nos referimos a aspectos mágicos, fantásticos, mas também a alguns momentos de maior privacidade, de cuidar da relação com o companheiro, se dedicar a ela, de estar consigo mesmo e, também, com seu bebê.

O celular, o Skype e tantos outros

O uso das tecnologias ajuda muito neste momento. Agradecemos muito aos celulares, aos computadores, tablets, que farão uma ponte através de palavras e imagens
aproximando virtualmente pessoas significativas, sejam familiares, profissionais, amigos, numa época que se exige distanciamento e isolamento social. Trocas de
mensagens, lembretes, envio de vídeos vão contendo registros capazes de oferecer a palavra, a imagem, o olhar, além de permitir que as emoções se presentifiquem.
Também facilitarão as queixas, os incômodos, o pedido de ajuda tão comuns e presentes na gestação.

É importante mencionar que o uso desta tecnologia no ambiente hospitalar, neste momento, é controlado. Assim, informem-se com o pessoal da maternidade sobre
medidas de higienização que se farão necessárias para que vocês possam registrar situações, momentos de vocês e do bebê, na maternidade.

As faltas, na gestação e no nascimento do bebê

Com a intenção de proteger a saúde do bebê, dos pais e da equipe hospitalar, os obstetras, pediatras, as maternidades estão tendo que adotar orientações e restrições
impossíveis de serem imaginadas há alguns poucos meses. A maioria tem um impacto significativo para os desejos, os planejamentos relacionados tanto a à gravidez como ao momento da chegada do bebê.
. as conversas com a família próxima, com o olho no olho que acalma e transmite segurança, o abraço de um avô, de uma avó, de uma tia ou outra referência familiar que poderia oferecer o contorno e acolhimento para as dúvidas e para a insegurança, são inexistentes.
. quando um ultrassom registra movimentos, expressões faciais do bebê que são compartilhados por vídeos, chamadas de vídeo, mas não existem olhares que se cruzam, mãos que se tocam, abraços impulsivos espontâneos repletos de alegria.
. quando a “mala da maternidade é arrumada” e as lembrancinhas confeccionadas para as visitas são guardadas numa bela caixa para “um dia a gente distribuir.
. quando o parto acontece e no quarto, na enfermaria, o casal permanece num junto/sozinho, sem visitas, sem a festa das conversas, dos pedidos que a família se
comporte, que não façam tanto barulho porque o bebê está dormindo ou a mãe está descansando.
. na volta para casa, a presença física da avó, do avô, uma amiga ou irmã por perto para ajudar em alguma tarefa da casa, dar um colo ao bebê enquanto os pais – exigidos física e emocionalmente – também descansam, vai ser suspensa.

Podemos pensar em tantos momentos significativos que fazem parte das histórias familiares quando da chegada de um bebê. Cada gestação e cada casal grávido possui registros únicos das experiências que viveram quando bebês e são estes que se apresentam quando vão ter seu bebê. A ausência das pessoas queridas que se tocam, se aconchegam, usando o corpo como uma intensa manifestação dos afetos e das emoções, possui significados extremamente próprios a cada casal. E são esperados neste momento.

Pensando em alguns caminhos como possíveis para que a ausência dê lugar a uma presença modificada, que carregue consigo os mesmos significados e a mesma força afetiva utilizando novos recursos, temos algumas sugestões.

Antes de mais nada, lembramos que a chegada de um bebê é um presente para toda a humanidade. Sua entrada num mundo conturbado, de difícil compreensão, de
ansiedades desconhecidas, como experimentamos hoje, é a garantia da vida. Seu choro, ainda na sala de parto, a abertura de seus olhos para observar, tentando ver o que se encontra ao seu redor e aquele mágico olhar que fixa-se no olhar materno, os gestos e posturas de maior calma ao perceber a voz, a emoção paterna repleta de descobertas, ah! A vida e sua força ali se encontram concentrados, numa pequena criança. E a ela, o mundo todo é grato. E esta gratidão é dedicada a seus pais e a equipe que os apoia.

O retorno dos pais com o bebê ao quarto, ou mesmo à enfermaria, onde lhes aguardam bilhetes de amigos, de seus pais agora avós, com registros de histórias ou apenas de expressões de amor, de alegria, que vão ser lidos aos poucos, vão ser colados ao álbum do bebê, emoldurados em quadros ou, ou… Todos eles, quando tudo passar, e os encontros se tornarem possíveis, poderão ser lidos em conjunto com a família. Isto requer organização! Contato com a maternidade, entrega de todos bilhetes, cartões, pode ser uma bela tarefa para os futuros padrinhos.

Junto a isto um belo pacote guarda o carinho dos avós. Um belo álbum recheado das histórias dos pais, fotos que remetem a lembranças especiais, cartinhas, desenhos, até poesias, letras de música. E quem sabe canções gravadas de cantigas de ninar ou canções infantis que compartilhavam com os filhos, agora pais, tragam suas vozes para este local.

Mas nada exige maior criatividade do que trazer uma presença forte dos irmãos, caso existam. Sabem o que seria interessante? Uma gravação onde pais e filhos que se encontram em casa, conversem sobre o bebê que está vindo, sobre como o imaginam, quais planos, o que pretendem fazer, o que pensam sobre o irmãozinho. Fotos, cantigas, desenhos, tudo pode colorir e encantar o quarto da maternidade. Assim como fotos, filmes, conversas dos pais apresentando o bebê, contando como o veem, dando significado aos seus gestos e relacionando-os com os irmãos, em casa, vai permitindo os laços desta relação tão especial – a fraterna.

Nos preocupamos aqui em trazer possibilidades, esperando que estas nossas falas deem espaço para a criatividade e a espontaneidade de cada família, de cada casal. São elas que irão participar das tramas e dos laços afetivos que vem sendo construídos e que recebem, neste momento, outras cores, outras nuances pela intensidade da VIDA que se apresenta.

Pensem no que estão criando – uma nova pessoa, uma criança que trazem ao mundo. Esta é uma tarefa intensa e riquíssima de possibilidades. Da mesma forma sintam-se à vontade para criarem, mesmo com tantas restrições, uma tranquila e gostosa chegada do bebê ao mundo. Ele será muito grato ao sentir-se acolhido, aconchegado na privacidade composta junto a seus pais. Esta segurança, proporcionada por tanto afeto, vai deixá-lo pronto para explorar o mundo e todas suas relações, assim que tudo isto passar. E vai passar.

Heloisa Coutinho – Psicóloga Clínica, Especialista em Saúde Mental da Infância e
Adolescência – SCM/RJ
Denise Streit Morsch – Psicóloga, Dra. em Saúde da Criança e da Mulher – IFF/FIOCRUZ.
Contatos:
Heloisa Coutinho – hcoutinhopsicologia@gmail.com; @heloisacouti
Denise Streit Morsch – denisemorsch@yahoo.com.br

 

Foto em destaque: Imagem de BRUNA BRUNA por Pixabay

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